Secretaria de Educação implanta Ensino Médio na Terra Indígena Katuquina

Os Katuquina são o terceiro povo indígena a obter o Ensino Médio em sua terra

escola_indigina_foto_sergio_vale_1.jpg

A Escola Katukina foi construída para atender os alunos da aldeia (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Começaram hoje as aulas para a primeira turma de Ensino Médio na Terra Indígena Katuquina, em Cruzeiro do Sul. Segundo Marcelo Jardim, coordenador de Setor Escolar  Indígena no núcleo local da Secretaria de Educação, 15 alunos vão compor a primeira turma e para o próximo ano a segunda turma deverá ter outros 25 alunos. Marcelo conta que foi a própria comunidade que insistiu em ter o Ensino Médio próprio.

"Eles têm uma cultura muito forte e tinham medo de que esses alunos, vindo para a cidade, abandonassem as aldeias e incorporassem elementos que eles não desejam. Essa conquista do Ensino Médio partiu deles. Eles correram atrás, reivindicaram e estamos atendendo uma solicitação deles".

Os Katuquina são o terceiro povo indígena a obter o Ensino Médio em sua terra. Na aldeia Barão, do povo Poyanawa, uma turma já concluiu o Ensino Médio e, inclusive, já tem uma turma que funciona de forma regular com professores da própria etnia e mais dois professores de fora que lecionarão Física, Química, Matemática e Língua Indígena. Na aldeia Nukini recentemente formou-se a primeira turma também.

Valorizando os conhecimentos tradicionais

A coordenadora estadual de Educação Escolar Indígena, Socorro Oliveira, confirma: "Os Katuquina querem uma escola que valorize os conhecimentos tradicionais e, ao mesmo tempo, que insira os conhecimentos da sociedade ocidental. Esta associação eles acham necessário para o contato, para a relação com a sociedade não indígena". Segundo explica Socorro o objetivo é valorizar ambos os conhecimentos e principalmente os conhecimentos deles, fazendo com que eles façam mais pesquisas, que registrem seus conhecimentos e que publiquem para eles mesmos ou para conhecimento de nossa sociedade.

"Este Ensino Médio vai ser uma espécie de laboratório deles, vai ser um local em que eles vão se reunir para discutir e refletir sobre estas questões relacionadas ao conhecimento. Estamos trabalhando com profissionais que têm conhecimentos específicos de cada área, mas que têm também conhecimento da etnia, conhecimentos específicos de etnologia, de antropologia, de todos os conhecimentos necessários para que eles tenham sensibilidade para trabalhar com estes grupos" – disse.

Conforme Socorro explanou o projeto do curso ainda está em construção. Ministrado de forma modular, ele pode durar três anos ou mais. Um dos módulos será centrado em ciências sociais, outro em ciências da natureza e outro em línguas (Katuquina, Português e Espanhol). Para ministrar as aulas de Língua Katuquina foi convidado o maior especialista brasileiro em Língua Pano. Trata-se do Doutor Aldir Santos de Paulo, professor da Universidade Federal de Alagoas cuja tese de doutorado baseou-se no estudo da língua Yawanawa.

Entrevista com Aldir Santos de Paula – doutor em Língua Pano

Agência de Notícias – Qual o objetivo de ensinar a língua Katuquina aos Katuquina

Aldir Santos de Paula –
O objetivo primeiro é que os Katuquina comecem a compreender a estrutura lingüística de sua fala e que a partir disso possam produzir textos, elaborar dicionários, ter uma perspectiva de que a língua seja de fato além de funcional na oralidade seja funcional na escrita.

Agência – Existem semelhanças entre as diversas línguas de origem Pano, ou são muito diferentes?

Aldir – Dou a resposta que os índios dão. Existem línguas de maior aproximação e outros de diferenciação linguística mais acentuada. De todo jeito se a gente pensar nas palavras, genericamente dá para se entender. Alguns sons são diferentes; a estrutura gramatical também. Se a gente fosse pensar num ‘Pano’ genérico, daria para a gente pensar sobre isto em pontos comuns e pontos divergentes.

Agência – Como fazer para que os povos indígenas vivam num contexto em que sua língua seja realmente a ‘língua oficial’?

Aldir  – Primeiro é preciso conversar, discutir com o povo sobre uma política linguística que parta do povo e que seja apoiada pelos órgãos parceiros desta causa. Afora estas questões que são do foro do povo, tem algumas coisas que são legais. Por exemplo, fazer circular material em língua indígena, possibilitar gravações de músicas e registros outros e poder acompanhar estas reflexões junto aos professores e a comunidade, porque estas decisões não são de um único seguimento, do povo ou de um determinado grupo político interno. Deve ser uma causa abraçada por todos os membros da comunidade porque o Português é uma barragem linguística que impressiona: São 180 milhões de falantes com a literatura já dominante e toda uma estrutura de comunicação, rádio, TVs, jornais, etc. Então os índios precisam tomar consciência dessa questão e gestar internamente soluções que definam este futuro lingüístico. Eu acho que fazer circular materiais escritos genéricos, de literatura, material didático, jornal é fundamental para que o povo se enxergue, para que o povo veja que sua língua funciona, como no caso da Língua Portuguesa, na sua modalidade escrita. Se eles enxergam isso, eles vêem que a língua tem outra função que não a comunicação diária em nível local.

Agência – No Acre, vemos e acreditamos que os povos indígenas estão num processo de renascimento cultural e espiritual. Como uma pessoa de outro estado, qual é seu entendimento a respeito?

Aldir – Cada grupo tem um processo individualizado, tem uma resposta vamos dizer à chegada do branco. Os Katuquina apesar de viverem este processo desde o início, tiveram um processo de resistência diferenciado de outros povos como os Nukini, ou os Poyanawa. Vejo que nos últimos anos, mesmo que em termos discursivos, a valorização da cultura, da língua é muito maior que quando cheguei aqui. Essas identidades estão sendo repensadas, discutidas, por que deixamos de ter caboclos locais e passamos a ter esta identidade definida, não-seringueira, diferenciada. Neste sentido é visível este movimento, é visível este intercâmbio cultural e comportamental dentre os povos, especialmente entre os mais jovens, especialmente entre as lideranças. Às vezes isto causa certa fissão interna nos grupos, os mais velhos rejeitam determinadas coisas, determinadas novidades culturais, porque os mais velhos foram criados na ‘versão seringal’ e algumas coisas dessas vão se arrumar. Então, minha perspectiva é muito otimista no sentido de que o Acre descubra o seu caminho e os povos acabem encontrando seu lugar na história e na geografia local e nacional, afinal de contas o Acre está voltado para o mundo.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter