Raymundo Paraná: um médico contra as hepatites virais na Amazônia

Com mestrado, doutorado e pós-doutorado voltados aos estudos das hepatites virais, Paraná foi um dos responsáveis pelos avanços da área hepatológica no Acre (Foto: cedida)
Com mestrado, doutorado e pós-doutorado voltados aos estudos das hepatites virais, Paraná foi um dos responsáveis pelos avanços da área hepatológica no Acre (Foto: cedida)

Professor titular da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o médico hepatologista Raymundo Paraná possui uma vida dedicada aos estudos das doenças do fígado, principalmente as hepatites virais. Com um relacionamento de anos com o Acre, ele foi um dos responsáveis por revolucionar o entendimento dessas enfermidades na região.

Paraná fez muito em suas passagens pelo Acre, deu cursos de capacitação, ajudou a fundar a Faculdade de Medicina, dedicou-se aos cuidados de saúde nas comunidades indígenas e ribeirinhas. Não satisfeito, é um dos responsáveis por o estado receber seu primeiro laboratório de biologia molecular, uma doação da francesa Fundação Merieux para o governo estadual, que será inaugurado ainda este mês.

“Quando criança meu pai me deu uma enciclopédia chamada Delta Larousse. E eu curiosamente ouvia falar sobre o Território do Acre. E achava o Acre tão longínquo, tão fascinante, que tinha o costume, antes de dormir, de abrir a Delta e estudar as cidades do Acre. Não tenho uma explicação racional para isso. Quando cheguei em 1999, eu já me sentia íntimo do Acre, me sentia em minha casa”, brinca o médico ao ser perguntado sobre seus sentimentos pelo estado.

O fascínio pelas hepatites

Em 2012, o médico recebeu a insígnia no Grau de Comendador, do Quadro Especial da Ordem da Estrela do Acre
Em 2012, o médico recebeu a insígnia no grau de Comendador, do Quadro Especial da Ordem da Estrela do Acre (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Ainda como aluno do curso de medicina, Paraná conta que teve uma inclinação para doenças do fígado, que na época eram negligenciadas pela saúde pública. Depois de formado, fez sua residência em São Paulo com professores apaixonados pelo tema, e acabou passando dois anos na França, onde teve uma formação em hepatologia com enfoque em hepatites virais. Tanto seu mestrado como o doutorado e o pós-doutorado (entregue em 2003) são voltados para o estudo das hepatites.

Seu retorno da França para o Brasil, no começo dos anos 90, culminou com a descoberta da hepatite C. De volta a Salvador (BA), criou ambulatórios específicos de hepatites e uma linha de pesquisa com um volume bastante importante de publicações. “Com nossos estudos contribuímos para mapear a distribuição das hepatites B, C e Delta no Brasil. Tínhamos pouca informação epidemiológica, e só na década de 90 começamos a ter uma produção mais robusta nesse sentido”.

Em 1999, um convite feito pelo então senador Tião Viana para entender as hepatites virais no Acre seria determinante para sua pesquisa. “Pude perceber como as hepatites virais na Amazônia eram diferentes do resto do Brasil, tanto do ponto de vista epidemiológico quanto clínico. E isso me gerou um desafio de responder por que isso acontecia.”

O Acre como um lar

Da esquerda para a direita: Tarik Asselah e Cristian Trepo (França), Michael Manns (Alemanha) e o infectologista Paraná no Saúde Itinerante (Foto: Mônica Araújo/Sesacre)
Da esquerda para a direita: Tarik Asselah e Cristian Trepo (França), Michael Manns (Alemanha) e o infectologista Paraná no Saúde Itinerante (Foto: Mônica Araújo/Sesacre)

Raymundo Paraná e Tião Viana eram colegas de profissão e tinham um amigo em comum: o professor e médico José Tavares Neto. Na época, com a chegada de Jorge Viana ao governo e Tião no Senado, começava no Acre uma série de ações para a melhoria da saúde pública. Nesse processo, Tavares Neto foi convidado, e ao perceber uma quantidade grande de pacientes com cirrose hepática e câncer de fígado no Acre, conversou com Tião e resolveram convidar Paraná para participar também.

O resultado foi grandioso para o estado. Novas ações foram patrocinadas pelo Ministério da Saúde, desde a capacitação de pessoas, a criação do curso de medicina do Acre, o projeto do Serviço de Atendimento Especializado (SAE), além de mestrado integrado em que 25 acreanos participaram e de um programa de vacinação pioneiro conta hepatite B que atingiu 90% da população.

“De todos esses projetos surgiu uma relação muito grande com o Acre, com os colegas médicos acreanos, e criamos uma rede informal que funciona até hoje. Discutimos casos, apresentamos nossas opiniões. Isso é afinidade e amizade. Ações como essas para um país tão desigual como o Brasil são exemplos que precisam ser seguidos e repetidos”, ressalta Paraná.

Mas ele foi além: entre idas e vindas ao Acre, participou de projetos do programa de governo Saúde Itinerante e trouxe médicos europeus e americanos, grandes nomes da hepatologia mundial, para dar suas contribuições. A ideia era abrir as portas do Acre para a pesquisa na área de hepatites e, quem sabe, o financiamento de projetos.

Dos resultados de todas essas ações, o médico comemora. “Esse é um processo que visou o desenvolvimento da assistência médica aos portadores de doenças do fígado no Acre, a implantação de assistência especializada e continuada para esses pacientes, a educação médica em doenças do fígado e também o desenvolvimento científico do Acre, que já é uma realidade.”

Laboratório revolucionário

O laboratório de biologia molecular doado pela Fundação Merieux será inaugurado em abril e foi articular pelo médico Raymundo Paraná junto com o governo (Foto: Sérgio Vale/Secom)
Laboratório de biologia molecular doado pela Fundação Merieux será inaugurado em abril e foi articulado pelo médico Raymundo Paraná junto com o governo (Foto: Sérgio Vale/Secom)

Desde seu período de estudos na França, Paraná criou uma história de cooperação com centros estrangeiros, entre eles a Fundação Merieux, braço filantrópico de um conglomerado que atua na área de saúde, produção de vacinas e kits comerciais para diagnósticos. Nela, o médico viu em seus projetos uma oportunidade para a Amazônia.

“Já conhecia esse projeto filantrópico deles que desenvolvia projetos em países como Vietnã, Mongólia e Camboja, e meu papel foi levar a eles a ideia de também atuarem no Brasil. Estamos numa situação melhor que a desses países, mas quando eu levei para eles a situação da Amazônia, as dificuldades geográficas e de acesso aos serviços de saúde, mas também as conquistas que tivemos, eles se sensibilizaram e pediram um projeto de investimento”, recorda.

O laboratório é destinado principalmente para o estudo das hepatites virais, mas poderá se voltar a vírus que só circulam por aqui, como o vírus oropouche, além daqueles de impacto mundial como os da zika, chikungunya e dengue.

Paraná acredita que a unidade acreana será o melhor laboratório molecular do Brasil. “Existem perguntas [nos estudos virais] que só a região amazônica pode responder. Havendo uma articulação entre governo do Estado, Fiocruz, Ministério da Saúde e universidades, esse vai ser um equipamento com capacidade para mudar a história da produção científica no Acre.”

E mesmo com tudo isso, para o médico baiano que tanto aposta no Acre, o laboratório também terá um significado especial por causa de um detalhe único: “Ali na frente do laboratório há uma castanheira que foi plantada por mim em 2000 ou 2001, junto com o Tião Viana, o Jorge Viana e o doutor Tavares Neto. Essa castanheira, para mim, tem um significado muito especial, e ela deve estar bem grande, porque está frutificando com o laboratório Merieux”.

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