Do bambu ao lago seco: a difícil tarefa de ler imagens de satélite

A divulgação dos dados das taxas de desmatamento na Amazônia para 2016 trouxe uma preocupação à área ambiental do governo do Estado. Os números indicam um aumento significativo no desmatamento no Acre que, pelas políticas públicas que vêm sendo desenvolvidas nos últimos 10 anos e intensificadas nos últimos seis, não era esperado.

Neste artigo apresentamos os motivos pelos quais estamos solicitando ao Instituto Nacional Pesquisas Espaciais (Inpe) a revisão dos números divulgados na terça-feira, 29 de novembro, relativos ao desmatamento estimado para o Acre em 2016 (período de agosto de 2015 a julho de 2016).

Segundo o Inpe, a taxa de desmatamento para a Amazônia em 2016 deve apresentar um aumento de 29% em relação ao período anterior (2015), gerando um total de 7.989 km² de área desmatada. No Acre, o estudo indica um aumento de 47%, passando de 264 km² em 2015 para 389 km² em 2016.

É importante compreender a metodologia do estudo: os dados divulgados agora são estimativas iniciais, baseados na análise de uma amostra do total de imagens de satélite disponíveis. No Acre, por exemplo, de um total de 12 imagens, o Inpe analisa inicialmente apenas três e realiza uma estimativa de desmatamento para todo o território acreano. A leitura de todas as imagens será concluída e divulgada no primeiro semestre de 2017.

Segundo os estudos do próprio Inpe, ao longo dos últimos 11 anos (2004 a 2015) o desmatamento no Acre teve uma redução de 64%. Isso é reflexo de ações de comando, controle e fiscalização ambiental, associadas à implementação de políticas para a agricultura familiar, que fomentam e intensificam do uso de áreas degradadas de maneira sustentável.

Em 2015, por exemplo, houve redução de 15% no desmatamento. A política ambiental do Acre tornou-se, dessa forma, referência para o Brasil e até para outros países. O estado foi o primeiro governo subnacional a receber compensação por resultados na redução de emissões de carbono.

No site do Inpe é possível conferir os detalhes desta metodologia e a localização das áreas analisadas nesta prévia no estado do Acre.

Por que solicitar a revisão da leitura do desmatamento?

Somente a confiança na política que vem sendo desenvolvida pelo Estado não seria suficiente para que os dados de um instituto tão sério quanto o Inpe fossem questionados. Dois episódios de divergência entre a leitura de imagens de satélite e a realidade em campo nos levam a crer que os dados de desmatamento de 2016 podem não ter sofrido o aumento indicado pelos dados preliminares, divulgados nesta semana. Indicam-nos que a tecnologia de leitura de imagens de satélite responde também às especificidades paisagísticas de cada região, e vai se tornando a cada dia mais aprimorada.

Em 2003, o Acre apresentou um índice desmatamento alto, neste mesmo momento de divulgação dos dados preliminares pelo Inpe. Posteriormente, áreas que haviam sido consideradas preliminarmente como desmatadas eram, na verdade, florestas de bambus secas. É natural no ciclo destas plantas, após atingir sua expectativa de vida, florescer e produzir sementes, que os indivíduos adultos morram. Até que as novas plantas cresçam, estas áreas de bambu apresentam uma fisionomia paisagística que pode ser confundida com áreas desmatadas. Foi o que aconteceu naquele ano, quando áreas de bambu secas, em período natural de regeneração, foram incluídas de maneira equivocada no índice de desmatamento. Após vistoria e constatação do fato, o órgão revisou e corrigiu o dado.

Outro episódio, no ano de 2016, leva-nos a levantar a hipótese de estarmos novamente diante de um fenômeno que desafia a maneira de ler imagens de satélite. Estamos vivenciando eventos climáticos extremos nos últimos anos, com recordes de cheias e secas se repetindo. Em 2016 o estado vivenciou a maior seca dos últimos 46 anos, o que nos fez intensificar as ações de prevenção, combate e controle do desmatamento e queimadas.

Em agosto de 2016, as leituras de imagens de satélite realizadas pela Unidade Central de Geoprocessamento (UCGEO), do governo do Acre, que servem de referência para os trabalhos de fiscalização do desmatamento, indicaram a existência de 13 áreas com desmatamentos significativos – entre 10 e 100 hectares – na região de Tarauacá.

Este dado nos fez mobilizar imediatamente uma operação de fiscalização nessas localidades. A operação, apoiada por helicóptero que visitou todas as áreas, constatou que, dos 425 hectares supostamente desmatados nas 13 áreas, em apenas uma área foi confirmado desmatamento de 7,9 hectares. As outras áreas eram, na verdade, lagos secos cujas feições paisagísticas foram lidas nas imagens de satélite como provável desmatamento. Nesse caso, portanto, menos de 2% dos desmatamentos indicados nas imagens foram confirmados na vistoria de campo.

Não desconsideramos a possibilidade de o desmatamento ter de fato aumentado neste ano, como os números preliminares do Inpe apontam. No entanto, pelo fato de nosso trabalho de campo na região de Tarauacá ter revelado uma disparidade tão grande entre as imagens de satélite e o desmatamento real, e também pelo fato de justamente nesta região se localizar uma das três amostras utilizadas pelo Inpe no Acre, solicitamos a este Instituto a revisão de sua análise, pois os lagos secos em 2016 podem estar distorcendo os dados da mesma maneira que fizeram as florestas de bambu em 2003.

* Carlos Edegard de Deus  é  secretário de Estado de Meio Ambiente do Acre

* João Paulo Mastrângelo é secretário Adjunto de Meio Ambiente do Acre

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