Da farinha ao coco, agricultura familiar do Juruá cultiva bons negócios

“Essa água já nos salvou muito na hora do cansaço”, diz
“Esta água já nos salvou muito na hora do cansaço”, diz o agricultor José Menezes (Foto: Arison Jardim/Secom)

A agricultura familiar alia a importância econômica, a partir da produção, à questão social, devido à reorganização de populações de baixa renda. Em uma conversa com produtores do Vale do Juruá, pode-se perceber como as políticas públicas têm o poder de iniciar uma cadeia de bons negócios, financeiros e sociais, para esses agricultores – uma casa e quintal dignos para criar filhos e netos e cultivar a própria velhice.

O início, para qualquer agricultor, é de persistência, paciência e uma ótima relação com a natureza. Quando percebe que sua mão dá certo para o plantio, seja qual for a cultura, o produtor precisará de algo mais: crédito, máquinas, conhecimento técnico e uma requintada mão também na administração da produção, que cresce a cada ano.

Vou te contar que, aqui no meu vizinho, estava dando 30 sacas de farinha em um hectare. Com o calcário e não queimando, ela voltou a dar 80 sacas”

José Menezes

Banhada pelo Rio Juruá e sua bacia de águas escuras (também há as barrentas), a região tem uma tradição na produção de farinha de mandioca e o cultivo diversificado, bastante visível nos mercados municipais. Afinal, mesmo sendo esta a “terra que de tudo dá, se souber plantar”, como diz Jorge Nunes, morador do Rio Croa, depois de alguns anos ela precisará de cuidados específicos.

“Desde 2011 o governo [do Acre] tem uma política de mecanização e de distribuição de calcário para os produtores aqui do Juruá”, diz o agricultor José Menezes, na mesa de sua cozinha, na Comunidade Paraná do Pentecostes, em Mâncio Lima. Ele mantém a tradição, e em sua propriedade cultiva a mandioca. Com a mulher, cria os três filhos fazendo farinha, produto que vem tendo considerável valorização nos últimos anos.

Em seus 25 hectares, o agricultor conta como tem trabalhado, firme e organizadamente, para que a produção seja sempre um sucesso. “Cultivo de dois a três hectares por ano, e com 16 anos morando aqui, os mesmos 15 hectares de área preservada continuam”, relata, orgulhoso, lembrando que nunca precisou desmatar desde que chegou à área, em 1984.

“Para nós tem um significado muito grande essa área verde, por causa do ar puro, sem contar a água. Existe uma grande diferença quando você sai da lavoura e pode ir beber a água do igarapé”, diz, mudando um pouco o tom da conversa. “Essa água já nos salvou muito na hora do cansaço.”

“Se você me perguntar por que o preço da farinha chegou a esse aumento hoje, tem tudo a ver com os programas de governo. Se nós voltarmos décadas, o trabalhador rural era só na enxada e no machado", explica José, ao lado de sua família (Foto: Arison Jardim/Secom)
“Se você me perguntar por que o preço da farinha chegou a esse aumento hoje, tem tudo a ver com os programas de governo. Se voltarmos algumas décadas, o trabalho rural era só na enxada e no machado”, explica José, ao lado da família (Foto: Arison Jardim/Secom)

“O calcário distribuído ajuda na correção da acidez do solo e contribui muito na produção de mandioca, arroz, milho, feijão e melancia”, explica, pedindo atenção para continuar a dar uma pequena “palestra” sobre agricultura: “Você planta dois hectares em um ano e depois outros dois para o ano seguinte. Deixa a capoeira [cobertura primária de floresta] subir, que depois ela volta a se incorporar ao solo”.

Quando perguntando se o calcário muda muito a produção, responde sem titubear: “É verdade pura! Verdade que tem gente dobrando a produção com o cultivo correto: “Vou te contar que, aqui no meu vizinho, estava dando 30 sacas de farinha em um hectare. Com o calcário e não queimando, ela voltou a dar 80 sacas”. Com os cálculos na ponta da língua, o agricultor conta os lucros possíveis das 250 famílias que moram em sua comunidade: “Imagina 180 sacas, em dois hectares, a R$ 165 por ano cada uma…”.

O calcário distribuído ajuda na correção da acidez do solo e contribui muito na produção de mandioca, arroz, milho, feijão e melancia”

José Menezes

Enquanto a mulher e a nora começam o almoço farto do dia, colocando o feijão no fogão à lenha, limpando o tomate e a couve, José, que foi o primeiro presidente da Cooperativa Nova Aliança dos Produtores de Farinha do Vale do Juruá (Cooperfarinha), em 2005, argumenta como a farinha valorizou no mercado, passando de R$ 25 a saca para até R$ 200.

“Se você me perguntar por que o preço da farinha chegou a esse aumento hoje, tem tudo a ver com os programas de governo. Se voltarmos algumas décadas, o trabalho rural era só na enxada e no machado. Agora existe arado para gradear as terras, e é melhor ainda quando nós, agricultores, percebemos que não é preciso recorrer ao fogo”, diz.

A mão cheia de Francisco

"O que dá em cima da terra eu planto”,
“O que dá em cima da terra eu planto”, afirma Francisco (Foto: Arison Jardim/Secom)

Rodeado pelos dois netos, Francisco Emerson de Farias, 72 anos de muito trabalho, percorre parte dos 50 hectares de sua propriedade, apontando, uma a uma, sempre rindo com as crianças, as culturas que tem o prazer de cultivar. A família agricultora já viveu na cidade e há 12 anos se mudou definitivamente para a zona rural de Rodrigues Alves.

Francisco se destaca na produção rural do Juruá. Em 2014 elevou a renda na Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) após quase quatro anos realizando vendas para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). E agora está comprando um caminhão financiado pelo Mais Alimentos. Ambos os programas do governo federal são executados pelo governo do Estado.

Em 2014, Francisco elevou sua renda na DAP após quase quatro anos realizando vendas para o PAA (Foto: Arison Jardim/Secom)
Em 2014, Francisco elevou sua renda na DAP após quase quatro anos realizando vendas para o PAA (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Quando eu vim para cá, depois de uma doença, o pessoal dizia que a gente vinha para morrer de fome”, relata o sereno agricultor, já sentado em sua cozinha, servindo suco de cupuaçu cultivado em sua terra. O diferencial da produção de Francisco é a diversificação de culturas em seus dez hectares de terra. Além da criação de 50 cabeças de gado e alguns peixes em cinco tanques, ele planta de tudo: “O que dá em cima da terra eu planto”, declara.

Os principais produtos de Francisco são macaxeira e coco, mas ele não se acomoda, e, com a ajuda dos netos e da mulher, vai lembrando o que mais tem na terra: “Hortaliças, melancia, inhame, limão, graviola, jerimum, mamão, banana, açaí e pupunha”.

É casado há 40 anos com Solene Farias, 58, e têm seis filhos – uma filha já é formada em direito. A terra foi comprada um mês depois do casório e hoje eles seguem a labuta diária em uma casa ampla e farta. “Comprei porque queria trabalhar. Eu gosto, sabe?”, diz.

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