O outro lado da linha – artigo

Quem mora no Norte do país certamente já foi acordado pelo toque do telefone recebendo chamada originada de algum call center, antes mesmo de o sol nascer, durante a vigência do horário brasileiro de verão. E quem nunca se chateou por ter seu sono interrompido pelo atendente de telemarketing que não sabe que no Acre o sol ainda nem despontou e o galo sequer cantou?

Confesso que, desde que mudei para minha própria casa, adquiri o hábito de colocar os telefones fixo e celular no modo silencioso. É uma maneira de evitar o transtorno. Claro que algumas vezes já esqueci e fui pega no susto ao acordar com aquele barulho da chamada seguida pelo: “Bom dia, senhora”.

Do meu lado da história eu sempre soube como era. Mas nunca tinha parado para pensar como era o outro lado – o lado do “Bom dia, senhora”, da logística e do que pode representar para um jovem o ingresso no mercado do trabalho como atendente de telemarketing.

Nessa semana fui para o outro lado da linha e pude ver as coisas de outro ângulo. E como é surpreendente o outro lado.

Minha experiência começou quando conheci a empresa do ramo call center que se instalou no Acre, o Grupo Contax, inaugurado há poucos dias. A movimentação no prédio, que por sinal é ‘meu vizinho’, já pode ser vista por quem passa pela rodovia onde está localizado.

Um prédio que tem sua imponência e beleza. Na arquitetura inclui detalhes de bambu, planta que vem sendo muito utilizada na construção civil e que, particularmente, acho que dá um toque sofisticado ao empreendimento.
Mas, diante de tudo isso, o que mais me chamou a atenção foi saber que 46% dos 117 contratados pela empresa Contax ou têm nível superior, pós-graduado ou estão cursando. Esse percentual pode chegar a 56% se incluirmos todos os candidatos cadastrados na empresa para assumir as vagas disponíveis.

A equipe da empresa multinacional demonstrou surpresa com a qualificação da mão de obra no Acre. Relatos dão conta de que em outros Estados esse percentual chega a algo em torno de 15%, o que já é motivo para comemoração por parte da equipe.

O time acreano que está fazendo parte da Contax conquistou as lideranças da empresa porque levaram para a instituição um jeito bem regional de ser, um brilho diferente nos olhos. A equipe construída aqui carrega consigo o pertencimento, e quem atua na gestão de recursos humanos sabe o quanto isso faz diferença na busca por bons resultados num mercado competitivo. O acreano, seja por nascimento ou por amor, carrega consigo esse sentimento, como sendo parte do DNA.

A garra e a vontade de ter boa qualificação dos funcionários fizeram com que a Contax já buscasse parceria com faculdades que atuam na capital. A empresa também deixa claro que estimula seus contratados a buscar sempre mais. Logo na entrada, na área interna do prédio, há um organograma que mostra as progressões de carreira dentro da empresa.

Ver aquilo tudo me deixou feliz. Sou de uma geração de jovens que eram aconselhados a buscar emprego apenas na carreira pública. Que ouviam daquela tia: “Vai fazer concurso”. Afinal, o Acre era um Estado pequeno, com poucas oportunidades, principalmente para os que não nasceram em famílias abastadas. A qualificação gratuita era escassa, as famílias que tinham condições custeavam para os seus, mas as se baixa renda ficavam à mercê de poucas oportunidades.

Hoje a realidade mudou. E isso é um reflexo das políticas públicas educacionais implementadas e desenvolvidas pelo governo do Estado nos últimos 16 anos. Ações que vão desde a qualificação de professores até a abertura de escolas técnicas e oferta de cursos.

Os jovens contratados pela Contax, por exemplo, tiveram qualificação oferecida gratuitamente pelo Estado, por meio do Instituto Dom Moacyr (IDM). Mas as oportunidades de qualificação gratuitas também estão disponíveis para os que buscam o estudo de línguas estrangeiras no Centro de Línguas, entre outras.

Essas oportunidades permitem que os jovens sejam encaminhados para o mercado de trabalho em empresas de grande porte, que oferecem boas condições de trabalho e oportunidades de crescimento profissional. São os passos que vejo o novo Acre trilhar.

Ah, e com uma empresa de call center instalada no Acre, pelo menos reduziram-se as possibilides de uma empresa ligar para sua casa de madrugada. Mas vale lembrar que eles possuem só algumas contas de empresas, de modo que só estaremos libertos definitivamente no dia que entenderem que vivemos num pedacinho do ocidente da Amazônia.

* Jornalista, editora adjunta da Agência de Notícias do Acre

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