Por Milton Chamarelli Filho*
Viajar de avião fica cada vez mais difícil. “Sou de uma época…” soa quase como “Era uma vez…”, mas é necessário falar sobretudo que viajar, há pelo menos 30 anos, era bem mais tranquilo do que é hoje.
Os aeroportos me causam sempre um estranhamento, ainda que as suas arquiteturas e estruturas internas sejam muito semelhantes. Como escreve Marc Augé, ali é um não-lugar, definido pelo antropólogo francês como “um espaço intercambiável onde os seres humanos permanecem anônimos e que não possui significado suficiente para ser considerado “lugar”. Talvez por isso me cause um estranhamento ou me traga esse paradoxo de estar em um lugar de passagem, com pessoas desconhecidas, mas que foi planejado para ser assimilável, perceptível e funcional.
A funcionalidade se perde onde falta o humano, e isso ainda está muito próximo daquela sensação que temos diante de algo novo ou dessas novas tecnologias que nos desafiam. Como é fazer o check-in em uma máquina e ali mesmo imprimir cartões de embarque, tickets e etiquetas de bagagem? Talvez isso tudo possa parecer fácil para quem viaja sempre ou para quem trabalha nos aeroportos, mas, para quem faz uma viagem ao ano, a cada salto que a tecnologia dá, te leva direto para o bê-á-bá primordial, lugar onde nossas memórias já estão ali, sedimentadas, e, em função das quais, você acredita que vai só repetir o que seria mesmo para repetir, pelos nossos esquemas cognitivos.
Adentra-se a sala de embarque e o frio quase congelante pode te dar até um certo prazer, pela dualidade que estabelece com um certo calor que te incomodara no saguão do aeroporto, mas vai te abespinhando a ponto de você procurar seu agasalho, caso você o tenha levado. Essa outra dimensão, a da temperatura, vai demarcando um outro espaço e uma outra forma de se estar e se posicionar diante dele.
São esses pequenos incômodos que vão acenando para nós e nos dizendo que estamos em outro lugar: diferente, alheio a mim e à minha cotidianidade, a ponto de tornar-me ali mais um. E foi talvez pensando nisso que as companhias de aviação criaram os embarques escalonados, nos quais, a depender da cor do seu cartão de crédito, você pode: ou entrar numa pequena fila ou esperar o longo séquito de passageiros que já se adiantam a formar uma fila, antes mesmo de o funcionário da companhia aérea avisar que já se pode embarcar.
Você entra no avião e se depara com aquelas poltronas que morreriam de inveja das poltronas dos ônibus interestaduais da década de 1990 da viação Itapemirim. Um aperto, uma briga para se colocar o cotovelo no braço da poltrona, que é quase sempre objeto de uma partilha judicial, travada ali, enquanto o outro dorme ou vai ao banheiro.
Se se chega ao local de uma só vez, ótimo! Mas, se você vai fazer uma conexão, aí começa a perceber que os sofrimentos vão perdurar até o próximo voo. Trechos longos entre terminais exigem de seu corpo um desempenho quase atlético porque é desumano — e não pela minha idade ainda — fazer um idoso andar longos metros para pegar o próximo avião.
Talvez eu não devesse sair de casa. Estou começando a pensar como o meu primo, quase 15 anos mais velho do que eu. Aqui mesmo eu consigo viajar. É um barato. Só faltaria mesmo me devolverem aquele lanchinho da saudosa VARIG que era o que fazia da viagem algo tão aprazível.
*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo