Saúde registra casos de pacientes com distúrbio raro e faz alerta

De hábitos alimentares duvidosos a costumes bizarros, quem não tem nenhuma mania estranha que atire a primeira pedra, ou coma uma. Nada demais, desde que esses hábitos sejam benéficos para a pessoa, pois quando passa a trazer incômodos ou impactos negativos, deixam de ser uma simples mania se transformando em algo extremamente perigoso e até patológico.

Exatamente o que aconteceu com José Leonilson Soares da Silva, de 42 anos de idade, por causa da estranha obsessão de comer tijolo, vício que ele tem há cerca de cinco meses. Isso não podia acabar bem e ele foi parar no hospital no mês passado, levado às pressas pela família. Quase morreu.

José Leonilson Soares da Silva também é paciente renal crônico e precisa fazer hemodiálise três vezes por semana Foto: Cedida

O paciente, morador de Cruzeiro do Sul, município distante 630 quilômetros de Rio Branco, ficou internado 12 dias na Unidade de Tratamento Intensivo, no Hospital do Juruá. O detalhe é que essa não foi a primeira vez que esteve à beira da morte. Leonilson já esteve na UTI outras três vezes, não apenas em consequência da sua compulsão em comer tijolo. Com uma saúde que já era debilitada por ser portador de insuficiência renal crônica e ter sido usuário de drogas por muitos anos, o paciente que realiza hemodiálise três vezes por semana, conta que começou a comer tijolo dois meses depois de largar o consumo de cocaína.

“Desde antes da adolescência, ainda quando criança, sempre gostei do cheiro do barro. Dois meses depois que deixei de cheirar cocaína comecei a comer tijolo e não parei mais. Na época estava trabalhando em uma construção, quando quebrando uma parede senti o cheiro do concreto que me atraiu de uma forma incontrolável. Passei a acordar de madrugada, depois que minha família dormia, para procurar tijolo e comer escondido. Já não conseguia parar, mesmo me sentindo mal e tendo cortes na boca, o desejo de continuar comendo tijolo era mais forte que eu”, lembra.

Consciente dos riscos, inclusive de morte, José Leonilson afirma que não come mais tijolo desde que deixou a UTI, mas confessa que a vontade é imensa em consumir o produto. “O médico me falou dos riscos, especialmente por ser paciente renal. Não me lembro dos dias que passei na UTI, mas sei que a situação era bem grave. A vontade de comer tijolo é imensa, mas evito andar atrás, passar em construções, onde sei que vou encontrar tijolo. Decidi que tenho uma vida, que tenho uma filha e que, portanto, não vou mais fazer isso comigo. Mas a vontade é imensa”, confessa.

José Leonilson em consulta com o médico Victor Hugo Panont/ Cruzeiro do Sul.

Essa mania de comer coisas estranhas, sem gosto e bem nojentas tem um nome: alotriofagia, também conhecida como Síndrome de Pica, é uma rara condição e se caracteriza por um apetite por substâncias não nutritivas, como terra, alimentos crus, palito de dente, esmalte, desinfetante, carvão, tecido e tijolo. Essa condição de consumir substâncias não comestíveis pode causar sérios problemas de saúde, podendo facilmente levar à intoxicação e até à morte devido a deficiências nutricionais, obstrução intestinal, entre outras complicações mais graves, como explica o médico Victor Hugo Panont, que acompanhou José Leonilson Soares da Silva em Cruzeiro do Sul.

“Quando ele chegou ao hospital seu estado de saúde era tão grave que não foi possível nem realizar uma cirurgia de urgência para desobstrução intestinal, daí foi para a UTI para estabilizar. Por sorte o trânsito intestinal desobstruiu sozinho. Esse fato de comer tijolo é um risco muito grave, podendo ocorrer várias complicações, começando com lesões na boca até a consequência mais grave, como uma perfuração ou obstrução intestinal, como a que ocorreu com o paciente, que chegou com um quadro de abdome agudo obstrutivo”, informa Panont.

Nesta semana, em decorrência ainda dos resíduos de tijolo presos ao intestino, José Leonilson Soares da Silva voltou a ser internado no Hospital do Juruá com fortes dores abdominais. Os médicos avaliam o paciente e a possibilidade de operá-lo nos próximos dias, o que vai depender do seu estado de saúde para suportar a cirurgia.

Manias

Bizarras, esquisitas ou saudáveis, na maioria das vezes essas manias causam sofrimento e muito constrangimento para quem não consegue controlar suas obsessões. É o caso do próximo entrevistado, formado em Direito, que pediu para não ter o nome divulgado. Aos 35 anos de idade, o advogado trouxe à vida adulta um vício bastante peculiar na infância: chupar chupeta. Embora menos inofensivo à saúde, a mania pouco convencional para um adulto, precisa ser escondida a sete chaves pelo constrangimento da situação.

Foto Júnior Aguiar/Secom

“Hoje moro sozinho, o que ficou mais fácil quando tenho vontade de chupar chupeta. Há uns dois anos, por um vacilo, uma garota que eu namorava descobriu minha mania, rindo e prometendo contar para nossos amigos. Aquilo me incomodou tanto que algumas semanas depois terminei com ela. As pessoas podem achar engraçado, fazer piadas. Mas a verdade é que todo mundo tem sua mania. É como um viciado em cigarros, por exemplo, quando a vontade bate, ele vai lá e fuma. É uma forma de aliviar a pressão e o estresse do dia. Tudo isso são manias e ninguém escapa de ter pelo menos uma delas ao longo da vida. Chupar chupeta não é tão bizarro assim. É apenas um hábito bobo que cresceu comigo, mas que ninguém entende ou respeita, por isso mantenho escondido”, conta.

Foto Internet

Outro personagem, identidade que também será preservada, tem uma preferência alimentar bastante curiosa, que não consegue se livrar dela: comer miojo cru. Mania que começou ainda na época da faculdade e que hoje dificilmente consegue esperar os três minutos que o macarrão costuma demorar para ficar pronto. Ele garante que é melhor que pipoca e que nunca fez mal.

“Não é qualquer miojo que é bom comer cru. Têm marcas que são mais gostosas, o macarrão é mais fininho sendo melhor de mastigar. Não indico os cremosos, pois costumam ser mais grossos e não é legal comer cru. Comecei comendo de brincadeira, enquanto esperava a água ferver para cozinhar o macarrão. De repente, já estava comendo todo o pacote. Acho mais gostoso que pipoca, mas evito comer na frente das pessoas para não ser zoado ou parecer estranho. Já como miojo cru há anos e nunca me fez mal. O tempero do produto que é o vilão da história, mas sempre descarto”, relata.

Foto Internet

A Síndrome de Pica – distúrbio caracterizado por uma forte e incontrolável vontade de alimentar-se de produtos nem um pouco usuais – apesar de atingir pessoas de qualquer idade e sexo, é bem mais comum entre as grávidas e crianças. A causa desse problema ainda é desconhecida, entretanto, muitos profissionais apontam uma relação com distúrbios emocionais e deficiência de minerais, como ferro e zinco. Um caso muito curioso que ficou conhecido mundialmente foi o de uma mulher chamada Kelly-Marie Pearce que comia sanduíches feitos de duas fatias de esponja e recheio de areia no período em que estava grávida.

De acordo com o psiquiatra Rodrigo Morais, quando essas manias acabam virando hábitos, tiques e TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), então começa o problema. Buscar ajuda médica e psicológica nesses casos é fundamental.

“Essa mania de comer substâncias estranhas e não nutritivas está mais relacionada, na maioria das vezes, a algum transtorno mental, principalmente a deficiência intelectual, esquizofrenia e autismo, que nesse caso só é diagnosticado acima de dois anos. Mas também pode ser associada a deficiências graves nutricionais, deficiência de ferro e zinco. Importante ressaltar que essa condição só deve ser tratada como alotriofagia se o consumo desses materiais se prolongar por mais de trinta dias. Por isso é importante o diagnóstico para começar o tratamento”, explica.

O único sintoma da alotriofagia, também chamada de Pica ou picanismo, é o consumo de itens não nutritivos. Os mais comuns são:

  • terra
  • barro
  • cabelo
  • alimentos crus
  • cinzas de cigarro
  • fezes de animais
  • tinta
  • cola
  • sabão
  • gelo

O tratamento da alotriofagia pode variar de paciente para paciente, principalmente por que deve-se levar em conta a causa suspeita, como deficientes mentais, grávidas ou psicóticos, e pode ser relacionado a tratamentos psicológicos, mudanças ambientais, reestruturação familiar ou um simples tratamento com suplementos vitamínicos e mudanças na dieta.

Especialistas que podem diagnosticar a síndrome:

  • Clínico geral
  • Psiquiatra
  • Nutrólogo

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