Rios de chuva à deriva nos céus – artigo

Antônio Ocimar Manzi, PhD: "Ciência para proteger a Amazônia" (Foto: internet)
Antônio Ocimar Manzi, PhD: “Ciência para proteger a Amazônia” (Foto: internet)

A tragédia climática que se abateu sobre o Acre neste começo de 2015, com alagação jamais ocorrida na história da região, impõe às pessoas que vivem aqui um esforço para entender que ameaças dessa ordem poderão advir, em curto ou médio prazo. Ou seja, não dá para continuar ignorando a ciência que busca mostrar tendências da natureza, como secas prolongadas ou chuvas torrenciais e devastadoras.

No Estado do Amazonas, o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) conseguiu juntar um grupo de cientistas climáticos que desde 2007 realiza intenso debate sobre a natureza amazônica. Os cientistas integram o próprio Inpa ou representam diferentes entidades. Tem até poeta (Thiago de Melo) no grupo. Eles desenvolvem um trabalho educacional no Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (Geea), que promove quatro encontros ao ano e publica trabalhos científicos numa linguagem mais simples para ajudar pessoas comuns entenderem os fenômenos da natureza.

Em 2008, por exemplo, o PhD Antônio Ocimar Manzi, pesquisador do Inpa, fez uma palestra tratando das mudanças climáticas e do efeito estufa na Amazônia. O seu trabalho foi publicado no Tomo I do Geea e tem tudo a ver com o que vem acontecendo no Acre nos últimos anos. Ele ensina sobre a formação das chuvas na Amazônia e alerta sobre fatores que colaboram para a produção do efeito estufa, apontando para tragédias maiores na região.

Antônio Manzi ensina que, “no balanço anual, a região amazônica é um grande importador de vapor de água, especialmente do Oceano Atlântico. O transporte de vapor do oceano contribui com mais de três quartos da umidade que circula anualmente na região. O outro quarto é produzido pelo processo de evapotranspiração”. Esse processo ocorre na Floresta Amazônica, onde uma árvore de grande porte produz, diariamente, até mil litros de água, lançados na atmosfera na forma de gases. Os gases se juntam a outros formando as chuvas que caem em parte na Amazônia, ou se tornam “rios voadores” que se deslocam para outras regiões.

“As chuvas anuais na Amazônia são de aproximadamente duas vezes a evapotranspiração total”, esclarece Antônio Manzi: “Ou seja, metade de toda a umidade que circula na bacia. Isso significa que a Amazônia exporta uma quantidade anual de umidade que é de aproximadamente duas vezes o total da precipitação regional. Um pouco mais da metade é transportada em direção ao sul da América do Sul e o restante ao Oceano Pacífico e o Caribe”.

O pesquisador alerta que “a substituição de florestas por pastagens na Amazônia reduz a taxa anual de evapotranspiração e modifica a circulação atmosférica, com efeitos locais e remotos. Um desflorestamento em grande escala traz grandes modificações para a circulação atmosférica e a hidrologia, com redução e aumentos de precipitação, dependendo das áreas da bacia”.

“As mudanças climáticas globais, provocadas pelo aumento da concentração de gases do efeito estufa (principalmente o dióxido de carbono e o metano) – acrescenta – afetam todos os setores da atividade humana e os ecossistemas, como, por exemplo, a saúde pública, a agricultura, os recursos florestais, os recursos hídricos e as áreas costeiras”.

“Uma síntese dos últimos resultados divulgado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) indica que haverá, no decorrer deste século, aumento de temperatura por todo o planeta, mais severo sobre os continentes do que sobre os oceanos. Haverá ainda aumento de chuvas nas regiões que hoje sofrem com a escassez de água, além de um aumento na frequência e intensidade de eventos extremos, como furacões, inundações e secas prolongadas”.

As projeções para o futuro não são nada promissoras. O cientista informa que existe a possibilidade de a Floresta Amazônica não resistir à mudança do regime de chuvas e ser substituída por um ecossistema de vegetação mais esparsa, do tipo savana:

“As projeções de savanização da Amazônia vêm , sobretudo, dos resultados do modelo climático do Centro Hadley, do Reino Unido. Esse modelo projeta para um futuro relativamente próximo, um padrão mais frequente de temperatura das águas superficiais do oceano Pacífico, típica do fenômeno El-Niño,  e também um aumento da temperatura das águas superficiais do Atlântico na região tropical do hemisfério norte”.

A conclusão a que ele chega em sua palestra enumera ameaças aterradoras: uma das mais brandas é que “a Amazônia vai ficar mais quente 0,3 graus  nas próximas três décadas, podendo chegar ao fim deste século com aumento superior a 4 ou 5 graus centígrados”.

Quanto às alagações, ele deixa entender que serão imprevisíveis daqui para frente. Até porque os chamados “rios voadores” andam à deriva nos céus do planeta.

Elson Martins é jornalista

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