Como falei na parte I deste texto, publicada na Agência Notícias do Acre, anima saber que o moribundo, mas amado Rio Acre está sendo estudado por pessoas e instituições que merecem fé. O relatório que produziram confirma ameaças que já podem ser vistas a olho nu pelos moradores desta região amazônica. Com o título “Expedição Rio Acre -2016”, a revista Acre Engenharia, na edição especial de julho, anuncia o “Levantamento das condições ecológicas do rio para implantação de medidas estruturantes de regularização de vazão e contenção de enchentes”.
Sinal dos tempos ou agouro?
Por estes dias, a mídia local e as redes sociais divulgaram um acontecimento que, embora festejado como proeza e sorte, anunciam coisa ruim: um grupo de jovens pescadores urbanos conseguiu apanhar, no magro leito do rio, sob a ponte metálica que liga as duas partes de Rio Branco, no centro, um peixe jaú de 1,65m de comprimento e 70 quilos. Imaginem a festa e a quantidade de selfies feitas por eles e mais alguns curiosos!
Foi um fato surpreendente, até porque há décadas não se pesca senão piabas nesse rio vulnerável. E também porque nenhum dos pescadores teve a ideia de retirar o anzol da goela do animal e soltá-lo em águas mais profundas, para que continuasse a viver sua majestade. Vai ver, o peixe já agonizava sem oxigênio no leito baixo e enlameado do rio. Mesmo assim, foi retalhado e comido.
Entranhas corroídas
A bacia do Rio Acre, conforme o relatório da expedição, situa-se na Amazônia Sul-Ocidental e é compartilhada pelo departamento peruano de Madre de Dios, os estados brasileiros do Acre e Amazonas e o departamento boliviano de Pando. Possui aproximadamente 35 mil quilômetros quadrados até sua confluência com o Rio Purus. E Rio Branco é o ponto para onde converge a drenagem de 74% da bacia”.
Os técnicos descrevem o que drena pela bacia como unidades geológicas muito jovens, conhecidas por Formação Solimões, sedimentos recentes dos rios e arenitos finos “que facilitam processos erosivos, deslizamentos de terra e o consequente assoreamento dos leitos”. Também observam que o rio vem apresentando, desde meados da década de 1990, uma intensificação de secas e inundações. “(…) Esses eventos extremos determinam aumentos e diminuições da vazão, colocando em risco a população urbana e rural ao longo das cidades ribeirinhas, especialmente em Rio Branco, Brasileia/Epitaciolândia e Assis Brasil”.
Para a cheia histórica de 2015 contribuiu, segundos eles, a combinação entre solos com baixa capacidade de infiltração (resultantes da conversão da floresta em pastagens e áreas agrícolas via desmatamento) e a ocorrência de chuvas acima do esperado. No leste do estado foram afetadas 130.944 pessoas, das quais 102.500 em Rio Branco e 13.500 em Brasileia, cidade que terá de ser reconstruída. Na capital foram atingidas 31 mil edificações; e na área rural 40 propriedades tiveram a produção comprometida, somando prejuízo de R$ 40 milhões.
Pressionado por essas mudanças climáticas, o governo vem trabalhando com uma Unidade de Situação de Monitoramento Hidrometeorológico para prevenir contra desastres e perdas humanas. A unidade junta a Secretaria do Meio Ambiente, a Fundação de Tecnologia do Acre, o Instituto de Mudanças Climáticas e o Gabinete Civil. Junta, como se viu ano passado, um batalhão de pessoas e siglas que se mobilizam para evitar o pior. Quando necessário, o estado recorre ainda a instituições federais, como o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM).
Na boa briga entram também o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), a Agência Nacional de Águas (ANA) e uma rede de 28 estações hidrometeorológicas, bem como quatro estações meteorológicas instaladas nas principais estações hidrográficas ao longo do rio. Esse arsenal ambientalista pode medir a precipitação de chuvas e o nível dos rios, permitindo a elaboração de relatórios e boletins diários.
Seca e Fogo
O governo conta com 41 instituições que possibilitam ações estratégicas do Plano Estadual de Prevenção, Controle e Combate às Queimadas e aos Incêndios Florestais. O arranjo foi possível após apurados estudos feitos pela Comissão Estadual de Gestão de Riscos Ambientais (CEGdRA). A estrutura minimiza as ameaças anunciadas neste começo de verão que, na melhor das hipóteses, poderá causar danos iguais ou maiores que os da última enchente.
O estado tem como monitorar os focos de calor utilizando dados coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a partir de registros feitos por satélites. Os dados constam de relatórios técnicos diários que chegam às mãos da CEGdRA e da Defesa Civil do Estado.
Os técnicos chegam à conclusão que em outras épocas faltou atenção e conhecimento nas ações emergenciais: “Devido à maior frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos no estado, faz-se necessário buscar novas formas de convívio e relacionamento com a natureza. O envolvimento da sociedade no sentido da prevenção, o fortalecimento da Defesa Civil, a geração e a disseminação de informações com alcance nas comunidades rurais, por meio de alertas precoces, aliados ao desenvolvimento de pesquisas e estratégias de adaptação, são alguns de nossos desafios”.
Ou seja: não dá para descartar o relacionamento cuidadoso com a natureza e muito menos o envolvimento da sociedade nas ações preventivas contra enchentes ou secas. As comunidades, tanto urbanas como rurais, não podem mais subestimar as advertências sobre as mudanças climáticas. O Acre talvez seja, hoje, o estado amazônico que mais se preparou para o enfrentamento a essas mudanças; entretanto, há muito de imprevisibilidade nessa história.
O Rio Acre continua secando, as torneiras e as cacimbas podem ficar sem água até novembro, sem que os vizinhos afortunados possam socorrer. Mas por desconhecimento ou teimosia, muitas pessoas continuam usando o fogo para queimar o lixo nos quintais ou abrir roçados, o que é crime previsto em lei. Não atentam para o fato de que que o Corpo de Bombeiros, mesmo com toda uma estrutura montada para impedir tragédias, não vai conseguir debelar todas as chamas.
Tradicionalmente, o mês de agosto sempre carregou o apelido de “mês do desgosto”!
Elson Martins é jornalista