Redes sociais: manual de instruções

Por Milton Chamarelli*

Por mais de uma vez por semana eu penso em sair das redes sociais. A impressão que tenho é de que todas as emoções expressadas nelas são exacerbadas. No dia a dia da carnalidade é tudo de uma crueza tão grande que fico a pensar se tudo aquilo que escrevemos nas redes é realmente reflexo do que sentimos. Claro, me sinto gratificado se sou parabenizado. Quem não gosta de ser adulado? O problema está quando alguns fatos ganham uma dimensão eufórica ou disfórica (valores positivos ou negativos que estão estruturados desse grande texto que é uma rede social).

Escrever é produzir um signo. Um signo escrito é uma representação que nos franqueia uma certa liberdade para sermos uma persona, a máscara usada no teatro grego na antiguidade. Toda escrita é sempre uma persona, um character, um personagem e também um caráter. Daí todos os heterônimos explícitos de Fernando Pessoa e tantos outros de nós implícitos em tudo aquilo que escrevemos, mas que não conseguimos perceber e distinguir.

Sob as máscaras muitos se escondem. Sob as máscaras da escrita somos também intimidados. Uns têm medo de sofrer a represália de outros, sobretudo se você não é benquisto em um determinado grupo. Por exemplo, você pode ser amigo de alguém em mais de uma rede social, mas, se você escrever alguma coisa que seja partilhado no grupo, podem não curtir o seu comentário, com medo da possível represália que alguém ali poderia sofrer, ainda que de fato não sofra, caso percebam que a sua mensagem foi “curtida”. Mas, por medo de assumir a curtida seu comentário, coloca-se como seu desafeto ali, só para mostrar que “ele ou ela não está com você”.         

Isso é de uma hipocrisia tão grande que é melhor “descer o véu da falsidade”, porque não há outra expressão para isso. Talvez por isso uma conhecida criou não sei quantos perfis no Facebook, porque foi excluindo suas contas e criando outras, por acreditar que sua identidade poderia permanecer imutável, a cada conta criada, diante de tantas outras tantas reações que teve que administrar e com as quais teve que lidar por serem sempre sorrateiras, velhacas e ardilosas.    

Mas por que precisamos nos importar com tudo isso? Porque nossos valores, nossas balizas de sentimentos, estão nesse mundinho digital ligados a um coraçãozinho ou à ausência dele. Será que não podemos simplesmente acionar a “sutil arte de ligar o f*da-se”?

Sim, claro que podemos. Como diz Lúcia Santaella, “a febre da vida não cabe nos signos”. A vida é mais, a vida é plural, e não pode nos aleijar por emojis ou pela falta deles. Beije, ame, odeie até, mas não deixe que sua vida se resuma à imagem que você pretende forjar: essa positividade tóxica, esse sorriso elástico, aquela dancinha provinciana e inábil que está no Instagram só para notarem o seu corpo.

Fui muito tempo resistente às redes, mas hoje, como viver sem elas, se boa parte da informação de que você necessita, contatos familiares, amigos que você reencontrou estão todos ali? É um fato até certo ponto complexo porque, ao sair de uma rede social, perde-se toda essa informação. Ou você vive como há vinte anos, buscando as informações em vários lugares e naqueles que até já estão deixando de existir, como os jornais físicos, ou você se torna um autocancelado estrutural. Porque o conteúdo da comunicação tende a convergir para aquilo que você só poderá ver em uma rede social.

Aproveite das redes somente o que for útil, mesmo que essa utilidade seja algo para te fazer sorrir. Por falta de uma conduta ético-pessoal, as pessoas continuarão fazendo aquilo que elas sempre fizeram: virando a cara para o vizinho ou, por outro lado, cumprimentando-o com um sonoro “bom dia”.

Não se preocupe se não deram um likezinho na sua postagem mais atual, afinal, você também poderá fazer isso com ela, não é mesmo? Colocaria um “rs” ao final desta última frase para enfatizar seu teor irônico, mas não sei se minha revisora daqui da Redação vai curtir.

*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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