Que a gente se livre de costumes

Já perceberam como o costume é perigoso? A gente se acostuma com aquele pedacinho bom e com aquele pedacinho ruim, e sem se dar conta está anestesiado demais para se movimentar e sair da mesmice que se tornou a vida. Deus me livre de me acostumar!

Principalmente com o sofrimento, tanto o meu quanto o alheio. Não quero olhar para a minha dor e achar que ela é normal, que sozinha vai passar, que faz parte da vida e, se não passar, que eu vou ter que me acostumar. Não quero ser indiferente ao sofrimento do outro, não me comover, não me colocar no lugar dele e, sendo assim, não tentar fazer o que posso para melhorar a vida desse alguém, porque, afinal, não vai me importar que ele sofra, principalmente, se eu já me acostumei a sofrer também.

Deus não permita que eu me acostume com a companhia da pessoa amada, quero sentir o tempo parar naquela conversa com uma sintonia cósmica, igual a do primeiro encontro. Quero dançar no quarto, ao som de uma música antiga, tomando um vinho barato e continuar achando que esse é o melhor programa que poderia existir para nós dois. Sentir o cheiro dela por aí e sorrir encantada, como quando eu percebi que aquele mundo novo transformou o meu com a cor e a beleza do que é inédito.

Deus não deixe que eu me acostume com o azul do céu e com a beleza da lua. Deus me livre de me acostumar com as surpresas da vida e, quando elas se apresentarem a mim, só olhar e dizer: “Ok”. Deus não deixe eu me acostumar com os lugares e por isso pensar que eu já conheço um pouco de tudo. Também não deixe, Deus, eu achar que já sei o suficiente da vida e assim perder o interesse por estar sempre querendo aprender mais.

Deus me livre de me acostumar com palavras e tratamentos hostis e achar que eles são normais. Que Ele não permita que eu me acostume com a vida sempre morna e com aquelas pessoas que só sabem puxar para baixo, porque elas não são a maioria no mundo. Deus não permita que eu passe a ver as qualidades das pessoas que amo como banais e, assim, pare de lhes dizer o quanto admiro isso nelas. Não permita, Deus, que eu fique cega para as injustiças e incapaz de me indignar.

Me livre desse costume que apaga o olhar curioso e que nos faz desvalorizar as delicadezas da vida e as gentilezas diárias daqueles que nos querem bem. Esse costume tão danoso que faz a gente esquecer coisas importantes, que engana nossos sentidos e nos torna incapazes de reconhecer um erro e se desculpar.

Por favor, Deus, não permita que eu me acostume a estar num lugar onde eu não deveria estar. Não permita que eu me acostume com coisas muito boas e também com as muito ruins. Com o que faz feliz e com o que entristece. Me livre de não ver a hora exata de partir e também a de ficar. Deus, me livre de me acostumar com aquilo que torna a vida amarga e não faz o meu espírito voar.

Fran Britto

Diretora de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Assistência Social dos Direitos Humanos e de Políticas para Mulheres (SEASDHM)