A pergunta está no título de um livro que recebi pelo Correio, há poucos dias, e que trata de impactos da BR-364 na regionalização da Amazônia Ocidental. O autor, Markus Brose, é professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, mestre em Administração Pública pela Universidade de Londres e doutor em Sociologia pela Universidade de Osnabrück, na Alemanha. Também fez cursos de especialização em impactos sociais da mineração no Reino Unido e na Austrália.
Em 2014, ele esteve no Acre levantando informações para o livro, após ter visitado também Rondônia e Mato Grosso. Na verdade, sua obra faz uma comparação entre os três estados quanto à política de desenvolvimento regional. “O presente estudo está centrado na análise das mudanças que ocorreram nos territórios de MT, RO e AC ao longo da BR-364 entre 1970 e 2010, visando identificar e diferençar os impactos entre crescimento econômico e desenvolvimento”, afirma.
Publicado em abril de 2016 pela Annablume Editora, de São Paulo, a obra de 200 páginas oferece um histórico da estrada que liga Cuiabá – Porto Velho – Rio Branco – Cruzeiro do Sul desde o governo Juscelino Kubitschek, passando pela ditadura militar, com detalhes políticos e de financiamentos interno e externo contratados. Informa também sobre as BRs 163 (Cuiabá – Santarém) e 319 (Porto Velho – Manaus), ambas com resultados pífios ou catastróficos, ao custo de exorbitância.
À página 51 do seu “Quanto vale a chuva?”, Brose se alinha à opinião de outros estudiosos, para quem “os adoradores de estradas superestimam os benefícios e subestimam seus impactos na Amazônia”. Referindo-se à BR-163, para a qual a União Europeia doou R$ 4 milhões/ano, por quatro anos, para promover o desenvolvimento sustentável em um território do tamanho da Africa do Sul, englobando Mato Grosso, Amazonas e Pará, admite que o que se obteve foi um retumbante insucesso:
“O fracasso do Plano BR-163 Sustentável replica a experiência de fracasso dos Planos de Desenvolvimento Sustentável financiados pelo Banco Mundial ao longo da BR-364 nos anos 1980/90, bem como os planos ufanistas de desenvolvimento dos anos 1970. O máximo que alcançaram foi crescimento econômico”. Mais adiante, o pesquisador afirma que “os planos públicos têm sido tradicionalmente instrumentos mais de elaboração do que de execução de política desenvolvimentista no Brasil”.
Markus Brose abre exceção, entretanto, para o Acre. Explica que, decorridos os primeiros 25 anos da construção da BR-364, é possível observar diferenciação interna na macrorregião formada por Mato Grosso, Rondônia e Acre. Esses estados “criaram culturas e identidades diferenciadas entre si (…) que contribuíram para gerar mercados diversificados”.
E, surpreendentemente, reconhece que o Acre, embora seja uma das unidades mais pobres da federação, com visível desvantagem econômica na comparação com Mato Grosso e Rondônia, “é o estado que apresenta maior qualidade de governança política e ambiental na região”.
A correta “governança política”, conforme explica no seu estudo amazônico, é condição indispensável para a viabilidade do desenvolvimento sustentável. Foi a falta dela que gerou o fracasso dos planos da ditadura para a Amazônia. Os governos militares ou indicados por ele não tinham controle dos grupos que migravam para a região com interesses que conflitavam com os objetivos sociais e ambientais. E esses grupos se aproveitaram da falta de legislação de terras e de outros direitos democráticos para lucrar com projetos made in Brasília.
O trecho da BR-364 entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, segundo Brose, é resultado de uma governança bem sucedida, porque os 650 quilômetros abertos em plena selva foram pavimentados sem que suas margens caíssem em mãos de grupos de migrantes cujas práticas inviabilizam o desenvolvimento sustentável. Para o autor, a governança que exerce o controle legal de seu território tem melhores chances de planejar e executar o desenvolvimento com a participação da cultura e tradição locais, gerando riquezas que beneficiam a própria região.
“A estratégia de desenvolvimento endógeno no Acre representa uma exceção na Amazônia Ocidental”, conclui Markus Brose, acrescentando: “O desmatamento evitado antes, durante e após a pavimentação da BR-364 no Acre, e seu ramal – a BR-317, evidenciam que a prevenção e mitigação dos danos de rodovia na Amazônia Ocidental dependem de uma longa caminhada pelas instituições por parte das organizações da sociedade civil”.
São tais organizações que operam o milagre da sustentabilidade, fazendo uso de mecanismos democráticos previstos na Constituição. Isto, quando há governança política confiável.
Elson Martins é jornalista