O texto jornalístico e a fotografia

Uma imagem vale mais que mil palavras. A frase é atribuída a Confúcio, o mais conhecido filósofo e pensador chinês, que viveu entre os anos 552 e 479 a.C.

Com uma pitada de humor, séculos e séculos depois, o escritor, poeta, dramaturgo, tradutor e jornalista brasileiro Millôr Fernandes a adaptou para o seguinte modo:

– Uma imagem vale mais que mil palavras. Vá dizer isso com uma imagem.

Sem tirar o mérito do nosso genial Millôr (1923-2012), o fato é que Confúcio se referia ao uso de ideogramas, formas de comunicação simbólicas que, quando unidas, formam imagens que expressam muito mais do que palavras. São conceitos completos e complexos. (Veja um exemplo na foto abaixo).

Este artigo é a minha contribuição aos fotojornalistas e amantes da fotografia em geral, que na última quinta-feira, 19 de agosto, celebraram o Dia do Fotógrafo. Para escrevê-lo, adaptei uma apresentação em Powerpoint que tinha feito para uma palestra no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac) e no Clube de Fotógrafos do Acre, ano passado.

Na minha opinião, a frase de Confúcio – na qual Millôr puxou brasa para o jornalismo escrito –, se encaixa muito mais na publicidade, por seu apelo maior para a comunicação visual.

E, em se tratando de fotojornalismo, a coisa é relativa. Observe as fotos abaixo.

A primeira:

E a segunda:

Homem com mochilas passa por policiais sem ser revistado, em direção a estádio; denúncia é de falhas no treinamento dos guardas nas Olimpíadas de Londres 2012. Foto: Portal Terra

As duas são as mesmas, mas com o detalhe de que a primeira está sem legenda. Então, se você não lesse a descrição da segunda foto, provavelmente, não entenderia o seu contexto.

E a razão para isso é que a imagem, embora muitas vezes seja mais apelativa e explicativa, com frequência, exige ao seu lado o grande amor da sua vida: o texto.

Quando concluí meu curso de Letras na Ufac, no final dos anos 1990, minha admiração foi para a disciplina de ‘Análise Semiótica’, ministrada pelo saudoso professor Vicente Cerqueira. Basicamente, uma das tarefas consiste em identificar na imagem elementos não-verbais que estão ali, escondidos e ao mesmo tempo abertos aos olhos, requerendo apenas que o indivíduo que a contemple tenha uma compreensão mínima do mundo. Ela não exige explicação verbal, mas apenas uma visão subjetiva com base no que é visualizado.

Sobre isso, vamos à prática:

As imagens que dispensam legendas

Campanha da Fundação Unhate, de propriedade da multinacional italiana de roupas Benetton

Agora, observe mais uma foto que fala por si, do repórter fotográfico Selmo Melo, em Rio Branco:

Em jornalismo, seja impresso ou digital, a fotografia é fundamental. Porém, exceto quando é autoexplicativa, ela deverá vir sempre acompanhada de uma legenda. (Veja o exemplo abaixo)

Menina vietnamita corre nua, após bombardeio de avião norte-americano sobre população do vilarejo Trang Bang, no Vietnã, com bombas de Napalm, em 1972. Foto: Nick Ut/Associated Press

O interessante é que fotos autoexplicativas quase sempre são dignas de mérito, como a do menino e o abutre que levou o Pulitzer, a maior premiação do jornalismo americano, embora seu autor, Kevin Carter, tenha cometido suicídio diante das críticas ácidas sobre o dilema de não ter, em primeiro lugar, ajudado a criança desnutrida e prestes a ser devorada pela ave, em 1993, no Sudão.

Carter foi espezinhado por não ter auxiliado o garoto. Um dos jornais, o St. Petersburg Times, da Flórida, disse sobre ele o seguinte: “O homem ajustando suas lentes para capturar o enquadramento exato daquele sofrimento poderia muito bem ser um predador, um outro urubu na cena”.

A importância da foto e três regras de ouro para o texto jornalístico

Um peladeiro no campo do jornalismo, um amador, um leigo, diria que a foto serve apenas para ilustrar a reportagem. Mas ela é muito mais que isso: a sua missão é passar maior credibilidade ao leitor, pois por meio dela confirmamos o que dizemos no texto e ratificamos o que foi observado.

E nesta relação texto-foto aqui vão três regras de ouro que eu mesmo criei e as utilizo até os dias de hoje:

A primeira regra de ouro

A foto é extremamente importante, mas o texto também precisa prender a atenção do leitor. Para isso dois fatores são indispensáveis ao repórter, desenvolvendo a pauta com excelência.

O primeiro deles é que não se pode brincar de ser jornalista. Aprenda o máximo que puder e leia de receita de bolo e bula de remédio a poesias e livros e, principalmente, boas reportagens.

O segundo é que a sua notícia deve vir recheada de ingredientes como empatia com o leitor, coesão textual e utilidade pública.

Veja um exemplo:

Haitianos amargam fome, sede e desesperança no Peru

Resley Saab, enviado a Iñapary

Cinderela vem de Porto Príncipe. Usa cobertores quentes e está despenteada. Não se alimentou nas últimas 12 horas, mas sorri. Olha para o céu noturno e vê a última estrela perder seu brilho para a tempestade. Encostada ao ventre da mãe, adormece no chão úmido do coreto da praça. Engana a fome, sonhando com o amanhã no Brasil.

A menina Clarisse, de 11 anos, a única criança que desembarcou entre um grupo de 125 haitianos na pequena cidade de Iñapary, após o embargo à entrada de estrangeiros sem visto no Brasil, engrossa a triste estatística dos haitianos impossibilitados de entrar no País…

(Do Site A Gazeta.net)

A segunda regra de ouro

É preciso sinestesia com a reportagem. Deve-se enxergar além do óbvio. Na reportagem, tente enxergar aquilo que é aparentemente inobservável.

Mais um exemplo:

Bolívia começa campanha de execração de colonos brasileiros na Foz do Abunã

Sex, 27 de Abril de 2012

Resley Saab

O terror ecoa na selva. O semblante dos colonos brasileiros é de pavor. Eles estão humilhados. Veem o que semearam por décadas sendo destruídos por facínoras representantes de um Estado sem governo: a Bolívia. Soldados bolivianos bêbados e armados de fuzis impõem o terror, ameaçam estuprar mulheres e roubam o gado e a castanha como verdadeiros ‘jagunços oficiais’.

É este o clima vivido neste momento, na foz do rio Abunã, uma extensa área na divisa do Acre com o departamento boliviano do Beni, e palco de uma onda de saques, incêndios e até ameaças de morte a cidadãos brasileiros fincados na floresta amazônica boliviana desde a década de 70…

(Do Site A Gazeta.net)

A terceira regra de ouro:

Jornalismo nem sempre precisa ser carrancudo, pesado. Se houver condições, abuse de boas histórias: os leitores agradecem.

Eis um exemplo:

Homem de 77 anos acompanha parte da história do Acre à beira do barranco

Resley Saab

28/05/2014

Raimundo Nonato Lima poderia ser chamado de Rei Mundo (ou das Tarrafas), mas gosta do apelido Raimundão, assim mesmo, no grau aumentativo, para lembrar que o mundo é grande. Pescador, estivador, marceneiro e artesão, vive no fim da Rua Beira Rio, na Cidade Nova, praticamente como 77 anos atrás.

A diferença entre ele e a cobra grande da Gameleira é que é uma lenda viva. A cobra?! Bem, nunca se comprovou se ela realmente existiu.

“Mas quando eu vendia água na Praia da Base, eu vi, toda semana, menino sumindo lá no poção”, relembra o velho…

(Jornal A Gazeta)

O Bilac e Galvez

Para finalizar, aqui vão três trechos de crônica de Olavo Bilac publicada no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, no dia 13 de janeiro de 1901.

Nela, o jornalista, poeta e contista brasileiro que é considerado o principal representante do parnasianismo no país, fala da sua preocupação com a ‘modernidade e a evolução rápida dos meios de comunicação’, além do ‘triste fim do texto escrito em detrimento do advento da ilustração e da fotografia’ que flertavam, inevitavelmente, com os jornais da época.

Na ocasião, até o defunto de Luiz Galvez, personagem conhecido da história do Acre por ter proclamado uma república em nossas terras, é evocado como suspeito de ter sido visto em solo espanhol, sua terra-natal. Bastando para essa comprovação apenas uma foto de jornal, segundo o entendimento do próprio Bilac. Ei-los abaixo:

Fotojornalismo

Vem perto o dia em que soará para os escritores a hora do irreparável desastre e da derradeira desgraça. Nós, os rabiscadores de artigos e notícias, já sentimos que nos falta o solo debaixo dos pés… Um exército rival vem solapando os alicerces em que até agora assentava a nossa supremacia: é o exército dos desenhistas, dos caricaturistas e dos ilustradores. O lápis destronará a pena: ceci tuera cela.

O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões profundas. A onda humana galopa, numa espumarada bravia, sem descanso. Quem não se apressar com ela, será arrebatado, esmagado, exterminado. O século não tem tempo a perder. A eletricidade já suprimiu as distâncias: daqui a pouco quando um europeu espirrar, ouvirá incontinenti o “Deus te ajude” de um americano. E ainda a ciência humana há de achar o meio de simplificar e apressar a vida por forma tal que os homens já nascerão com dezoito anos, aptos e armados para todas as batalhas da existência. (…)

(…) Outro caso interessante: o do amigo Galvez, que, depois de ter transposto a porta da eternidade, aparece agora espairecendo pela Puerta del Sol, em Madri. É ele? não é ele? quem sabe? fotografem-no, e veremos.

(…) Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada a consciência.

(Gazeta de Notícias, 13 de janeiro de 1901)

*Resley Ribeiro Saab é repórter há 25 anos e vencedor de 12 prêmios de jornalismo, entre eles o da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Justiça, do Sindicato dos Jornalistas e do Ministério Público do Estado do Acre. Começou como repórter de polícia no Página 20, no final dos anos 90, foi editor-assistente de A Tribuna e editor-chefe no site AGazeta.net, no jornal A Gazeta e no jornal Opinião. Atualmente, trabalha como repórter na Secretaria de Estado de Comunicação do Acre

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