Ele não era o sábio da floresta, ele era a própria floresta na sua intensidade de cores, texturas e ritmos. Um artista plural que viveu a natureza como elemento indispensável. Trabalhou a auto sustentabilidade de maneira ampla e defendeu por meio da arte os direitos dos povos da floresta.
Na infância, seus passos deixaram rastros em varadouros e o seringal na sua calmaria, além de berço, lhe serviu de escola. Mais velho, se mudou para o seringal Senápolis, onde sua mãe herdou uma pequena colocação.
Por aquelas brenhas amazônicas ele se tornou seringueiro, e entre um corte de seringa e a queda do ouriço da castanha, aprendeu a ouvir o Curupira, desvendou artimanhas do Boto, se escondeu da Matinta Pereira, correu atrás do Caboquinho e tomou banho na presença da Mãe D’água. Também deixou-se encantar pela Cobra Grande e teve uma conversa de pé de orelha com o Mapinguari.
Menino do Intimari, além de aparar o leite da mata, soube extrair dela a beleza da sua arte. Cresceu e ganhou asas, e na busca por melhores condições abandonou o seringal sem imaginar que as cores, histórias e experiências daquela localidade lhe tornariam um artista conhecido mundialmente. Suas telas, sua música e a maneira característica de lidar com as palavras expressava o seringal que nunca sairia dele.
Franzino, sem vaidade, usava sempre a mesma blusa banca, já amarelada pelo tempo. Quando chegou à capital, encontrou na rua Xapuri, no Bairro da Base, um lar para sua família.
Às margens do nosso maior caudal foi catraieiro e com o varejão nas mãos cortou as águas morenas do rio Acre, tocando cada distrito em busca de um sustento digno. Ele aprendeu a conversar com o rio seguindo o curso barrento das águas. Nos barrancos que eram a extensão da sua moradia, o canto do azulão, da saracura, e da galinha d’água serviu de inspiração para a melodia harmoniosamente gritada pelas cordas de sua rabeca, instrumento medieval precursor do violino que aprendeu a tocar de ouvido.
Trabalhou como ambulante, barbeiro e vigia na Companhia de Desenvolvimento do Acre, no distrito industrial de Rio Branco.
Na “cidade grande” aprendeu a sentir e desvendar, intimamente, maneiras de pensar e todo comportamento urbano que posteriormente fundiu com suas lembranças do seringal, o que transparece nos seus traços esverdeados cheios de crítica e reflexão. Seu Hélio coloria sentimentos distantes dos barracões, do querosene e da malária com surpreendente surrealismo.
Ele era um musico autodidata, mas gostava mesmo era de dançar. Afirmava, discretamente, que a única maneira de cair no forró era quebrar as cordas do seu instrumento. Além da rabeca, também tocava violão e cavaquinho. Chegou a se apresentar no Planalto Central acompanhado do seu conjunto, e representou com louvor a música produzida na região norte.
Mesmo tendo as artes plásticas como seguimento principal, as composições musicais e seu estilo único são referências respeitadas pelas novas gerações de músicos. “Lembrança do Seringal” é um dos principais hinos do cancioneiro popular acreano.
Hélio Melo estudou apenas até a terceira série do ensino regular e costumava afirmar que o título de artista era só um apelido que alguns amigos colocaram nele. Quanta modéstia! Suas obras foram expostas em vários países e sua técnica de pigmentação, utilizando matéria prima da floresta, continua sendo discutida em rodas de estudos até os dias atuais; é utilizada tanto por artistas renomados como por alunos de arte.
Reconhecimento
No início da década de 80, um fator primordial para a consagração do seu Hélio Melo como artista plástico foi o apoio do dirigente do Sesc no Acre, Pedro Vicente, que se tornou seu amigo e enxergou naquele homem da floresta um grande pintor primitivo, se empenhando em promover exposições em Brasília e no Rio de Janeiro.
“ O seu Hélio Melo, ficou encantado com a cidade grande. Ele não tinha a real noção do poder da sua cultura em forma de arte. Todos ficam impressionados com o talento universal e com a humildade do nosso artista”, escreveu Pedro Vicente, em um dos seus artigos postados no blog “Coisas da Vida”. (O professor universitário, sociólogo e escritor Pedro Vicente faleceu em 2013 na cidade de Natal, de câncer).
Em uma das suas exposições no Rio de Janeiro, o escultor conhecido internacionalmente, Sérgio Camargo, comprou de uma vez 17 quadros do artista acreano. Pouco tempo depois as obras e a figura esquálida do sábio da floresta estavam estampadas nos principais jornais do país.
“O que mais me emociona em seus desenhos é a maneira extraordinária como ‘descreve’ a luz da selva, o amanhecer, o entardecer. Para isso, Hélio cria suas próprias tintas com resinas vegetais, com elas vai filtrando a luz entre as árvores, abrindo clareiras na noite, transmitindo uma sensação quase física dessa luz maravilhosa”, declarou o jornalista e critico de arte, Frederico Morais, que na década de 80 assinava uma das principais colunas culturais no jornal O Globo .
O seringueiro pai de família
O artista deixou um grande legado para o mundo e principalmente para a sua família. São 12 netos e cinco filhos que veem em Hélio um exemplo de cultura, humildade e atitude.
A família do seu Hélio homenageada na exposição alusiva aos 90 anos de nascimento do artista da floresta.
” Sempre acreditamos no potencial artístico do nosso pai. Sua humildade e talento ainda continuam sendo bases para a educação da nossa família. Meu pai sempre procurou no nosso núcleo familiar e principalmente na floresta a sua fonte de criação” relatou Fatima Melo, filha do pintor.
O sábio da floresta
O governo do Estado, por meio da Fundação de Cultura Elias Mansour, lançou na tarde da última sexta última feira, 29, a exposição “Seu” Hélio, o Sábio da Floresta. A mostra que reúne mais de 50 obras entre telas, painéis, gravuras e livros acontece na Biblioteca da Floresta, de segunda a sexta, das 8h às 18h. A iniciativa faz parte do cronograma de atividades alusivas aos 90 anos de nascimento do artista, e começou com a entrega do painel com sua assinatura, na externa do colégio Estadual Barão do Rio Branco.