Nova medicação disponibilizada pelo SUS muda a vida de hepatopatas no Acre

Atleta desde os 16 anos, na juventude Curu nem imaginava a luta que travaria pela vida (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)
Atleta desde os 16 anos, na juventude Curu nem imaginava a luta que travaria pela vida (Foto: Júnior Aguiar/Sesacre)

Aos 16 anos, Curu, atleta do Atlético Clube Juventus, era artilheiro do time. “Comia a bola”, conta. Naquela época, Álvaro Ithamar de Melo, nome do jovem, nem imaginava que seu maior adversário não era outro time, mas uma doença grave, a hepatite tipo C.

O atleta também não poderia supor que, para vencer essa batalha, teria inúmeras “partidas”, numa disputa acirrada pela vida.

A batalha de Curu começou ainda nos anos de 1979, quando ele descobriu que era portador da doença. Naquela época era treinador de futebol de salão e, durante um jogo, passou mal.

“Foram de 35 anos de luta contra a doença. Quando descobri ainda a chamavam de icterícia, porque a gente ficava com o olho amarelado. Depois que foi detectado, continuei jogando e tomando minha cerveja com os amigos do Juventus”, relembra.

Álvaro Ithamar observa que a hepatite pode ficar anos sem se manifestar. “Ela veio mesmo fulminante nos anos de 1990. Em 1994 comecei o tratamento com o médico Tião Viana. Em 1996, numa brincadeira, eu disse ‘Vou terminar fazendo um transplante’. Mas aqui no Acre nunca tinha nem visto falar em transplante”, conta.

Curu relata que, já em meados de 1995, viu uma matéria numa emissora local informando que haveria um congresso no estado com a presença do médico Técio Genzini, especialista em cirurgias hepatobiliopancreáticas, transplantes de órgãos abdominais e membro do grupo Hepato do ‎Hospital Samaritano de São Paulo.

A partir de 1996, o ex-atleta diz que a doença começou a deixá-lo mais debilitado. “Era uma semana em casa e outra no hospital. Tião [Viana] tinha um consultório particular, mas me atendia de graça. Nunca me cobrou uma consulta”, revela.

O primeiro acreano a ter um fígado transplantado

Entre maio e junho de 1996, Álvaro Ithamar foi para São Paulo em busca de um transplante. Em outubro, enfim, foi submetido à cirurgia, sendo o primeiro acreano a ter o fígado transplantado. O procedimento foi realizado no Hospital das Clínicas de São Paulo, mas ao longo dos anos Curu também foi paciente do Hospital Beneficência Portuguesa e, também, da Fundação Hospitalar do Acre, atual Hospital das Clínicas (HC) do Acre.

Na ocasião, recebeu total apoio dos médicos Tião Viana e Técio Genzini. “O doutor Técio me entregou nas mãos do Sérgio Mies [tem 40 anos de experiência no tratamento de doenças do aparelho digestivo, do fígado e das vias biliares]. Esse médico salvou minha vida, com a ajuda de Deus”, diz.

Contudo, o transplante não garantiu que Curu negativasse a doença, e ainda fez com que ele adquirisse uma nova rotina de medicação que, inicialmente, era tomada de 8 em 8 horas.

Ele conta que foi nessa época que comprou um caixinha de primeiros socorros para guardar sua medicação e, até hoje, essa caixa é sua companheira de empreitada contra a hepatite C.

SUS repassa a medicação gratuitamente a Sesacre e pacientes retiram-na no SAE (Foto: Diego Gurgel/Secom)
SUS repassa a medicação gratuitamente a Sesacre e pacientes retiram-na no SAE (Foto: Diego Gurgel/Secom)

A medicação que está devolvendo a esperança

Aos 64 anos, Curu lamenta a perda de muitos amigos para a hepatite. Amigos que não tiveram a oportunidade de ser tratados utilizando a nova medicação que tem salvado vidas entre os hepatopatas. A maioria, conta, não resistiu aos fortes efeitos colaterais do Interferon, remédio mais utilizado para tratar a enfermidade.

A dona de casa Lucinda Felizardo da Costa, 79 anos, mãe de 12 filhos, descobriu que era portadora de hepatite há quatro anos. Moradora de Xapuri, terra do líder seringueiro Chico Mendes, ela revela que ao ser diagnosticada seu médico a impediu de tomar o Interferon. “Ele disse que, por causa da minha idade, era melhor que eu não tomasse.”

Sem a medicação, evitada por medidas de segurança, a paciente enfrentou a debilidade que a enfermidade causa e, por conta da idade, teve limitações no tratamento.

A história mudou para Lucinda e Curu há menos de um ano, quando ambos tiveram a oportunidade de ter acesso gratuito, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), ao tratamento com os medicamentos Sofosbuvir e Declatasvir.

Eles são disponibilizados pela Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), por meio do Serviço de Atendimento Especializado (SAE), para pacientes com hepatites e/ou transplantados.

Lucinda Felizardo recebeu na última sexta-feira a notícia de que negativou a hepatite C após o uso da nova medicação (Foto: Nayanne Santana/Sesacre)
Lucinda Felizardo recebeu na última sexta-feira a notícia de que negativou a hepatite C após o uso da nova medicação (Foto: Nayanne Santana/Sesacre)

Nelson Guedes, coordenador do programa de IST/Aids da Sesacre, destaca que o Acre foi o segundo estado a receber as novas medicações via Ministério da Saúde. “Na época que chegou aqui, tínhamos cadastrados, no SAE, 319 pacientes. Em junho chegamos a 405 recebendo a medicação regularmente”, ressalta.

Até julho outros 100 pacientes serão beneficiados com a nova medicação, segundo o coordenador do programa de IST/Aids.

“Essa equipe do SAE é abençoada. Meu medo é de algum aventureiro assumir [o governo] e se perder tudo que conquistamos. O trabalho da equipe do SAE é a base fundamental dos pacientes”, reforça Curu.

Álvaro diz que tem muito a agradecer também aos médicos Martini Moura, do SAE, e Margareth Paulli Lallee. Segundo ele, ambos têm sido essencial em seu tratamento.

A negativação

Com emoção que transparece nos olhos cheios de lágrimas, Álvaro Ithamar diz que, depois de tomar 19 doses de Sofosbuvir e Declatasvir, fez exames e recebeu a melhor notícia de sua batalha contra a enfermidade. “Foi uma emoção muito grande. Eu tenho três netos: Samuel, Sara e a Iasmim. E a emoção é de ter uma vida bem longa ao lado da família. Família é a base de tudo, porque essa batalha foi dura”, expõe.

A confirmação da negativação do vírus chegou nesta sexta-feira, 10, para a dona de casa Lucinda Felizardo. Ela deslocou-se na quarta-feira, 8, de Xapuri para Rio Branco, onde fez exames para verificar como respondera ao tratamento.

Ainda na terça-feira, 7, quando foi entrevistada por uma equipe de documentaristas do Ministério da Saúde, Lucinda falava da ansiedade e da fé que tinha de ver-se curada. “Tenho fé em Deus que eu também vou conseguir essa vitória.” E conseguiu.

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