Não seja a voz que silencia

O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude.

Portanto, abrange mais que um momento de atenção.

Representa uma atitude de ocupação, preocupação,

de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro. (Leonardo Boff)

 

Se eu fechar os olhos e abrir meu coração, posso sentir o cheiro que o mato exala assim que cai a chuva. Sinto as cinzas da fogueira rodeando a pele. Ao redor dela, me vejo embrulhada numa coberta tomando uma sopa quentinha. Ao meu lado, um monte de gente sorrindo.

A barraca molhada, a roupa fria, o sapato cheio de lama e o peito explodindo de tanta felicidade. Parece um mundo que não existe. Pode ser também a cena de filme. Ou será que foi um sonho tudo que vivi? Eu não queria acordar. Mas acordei e vi que o mundo aqui fora tá meio louco. Cheio de problemas e muita gente sofrendo.

Eu queria poder voltar àquele momento e cantar ainda mais alto. Queria rir mais até a barriga doer. Teve um dia que deixei de cair na lama, porque seria eu que lavaria tudo aquilo. Se eu soubesse teria ido até o fundo daquela lama avermelhada. Agora tá parecendo um vazio e a saída é distante.

Essas memórias refletem um passado não tão distante. Mas também apontam para o futuro que eu almejo. Um futuro sem mortes, sem choro. Um futuro cheio de sorrisos!

Chegou a hora de cuidar daqueles que amamos e tomar o máximo de cuidados. Os dias cinzas que temos vivido por conta da covid-19 nos empurram para dias ainda mais sombrios. Não há como agir naturalmente, diante do grito de tantos que sofrem. Que minhas ações não sejam degraus para levar ninguém ao cemitério.

Não quero ser a voz que silencia diante do sofrimento do meu semelhante. Quero ser a voz que fala. A voz que pede para que todos usem máscara, que não levem as mãos ao rosto quando estiverem fora de casa. E que se tiver que sair de casa, que todos esses cuidados sejam redobrados. É pandemia, mas também é pandemônio o que estamos vivendo!

Não podemos lembrar de tudo o que vivermos. Podemos nos esquecer de muito do que nos foi ensinado. Mas ainda assim podemos reviver memórias. Quero estar viva para poder usufruir o futuro. Quero sentar numa roda de amigos e ouvir uma música que aqueça o coração. Não quero mais perder pessoas que eu amo. Não quero chorar por aquilo que não posso viver. Os dias são duros, mas precisamos manter a mente saudável e um espirito forte. Não posso ser inerte. Que eu não seja indiferente ao que se passa a minha volta. Preciso levantar quem ‘cair’. Preciso ser uma voz ativa, falante, pois só existe o hoje, o agora. O futuro é incerto. Assim como a vida, que é um sopro que pode se esvair num segundo.

 

Nayara Lessa é graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Instituto de Ensino Superior do Acre e mestra em Letras pela Universidade Federal do Acre. Atualmente compõe a assessoria de Comunicação do Governo do Estado do Acre. 

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