Sempre que se ouve falar em servidor público, uma esmagadora quantidade de relatos traz consigo o senso comum que “é cada um por si, e Deus por todos”, no entanto, quero trazer uma realidade vivida dentro do Sistema Prisional nesse período pandêmico, que talvez mude um pouco a concepção das pessoas a cerca desta temática. Enquanto muitos se referem a este como algo falido, ouso dizer que sempre há fios de esperança, e essa pandemia veio para corroborar este pensamento.
Apresento à sociedade um setor chamado Núcleo de Atendimento à Família (NAF), vinculado ao Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), que tem o compromisso de prestar um serviço digno e qualitativo aos familiares das pessoas em situação de prisão, buscando minorar as consequências que o encarceramento tem arraigado em si. Vale ressaltar que o Núcleo atende uma média de 3000 famílias por mês.
A Covid-19 trouxe inúmeras sequelas que atingiram níveis mundiais, e não foi diferente no ambiente carcerário. Uma das medidas preventivas que a presidência do Iapen, juntamente com sua equipe tomou em caráter preventivo, a fim de evitar a proliferação da doença dentro dos estabelecimentos penais, foi a suspensão das visitas familiares, antes que o primeiro caso fosse identificado, o que refletiu significativamente nos direitos assistidos a pessoa presa.
Como toda decisão traz consequências, essa mudança atingiu outras esferas no que tange a assistência material, onde segundo a Lei de Execuções Penais (LEP) em seu 13º artigo, abre precedente para que as famílias dos reclusos possam prover alguns itens extras que venham atender as suas necessidades pessoais, tais como produtos, objetos e determinados tipos de alimentação geralmente precedidas de dietas nutricionais, previamente autorizados pelas direções por não serem fornecidos pela Administração.
A partir daí, nasce uma nova logística estudada de forma minuciosa, alterando totalmente a rotina de trabalho do setor versado acima, que já é extensivo por natureza. EPI’s passaram a ser novos instrumentos de trabalho, alguns deles financiados com aprovação de três projetos enviados ao Tribuna de Justiça, outros pela própria administração penitenciária, e o aludido passou a receber alguns itens alimentares previamente prescritos e complexos vitamínicos não fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de aumentar a imunidade dos detentos, que foi de suma importância no combate ao corona vírus, além de focar na manutenção dos laços afetivos entre pessoas presas e familiares, viabilizando a troca de correspondências entre os mesmos, direito este também assegurado pela LEP no seu Art. 41.
Para que tudo isso fosse possível, foi planejado um calendário mensal que contemplasse 100% da população carcerária em todas as ações descritas a cima, onde profissionais como assistentes sociais, psicólogos, especialistas em execução penal, policiais penais, técnicos administrativos operacionais, auxiliar administrativos e servidores terceirizados se mobilizaram, alguns em escala de revezamento, e deram as mãos, dando início a essa saga pela não violação de direitos, missão essa de grande complexidade, devido ao baixo efetivo de servidores, além do afastamento daqueles que foram acometidos pela doença.
Segundo o boletim informativo do Núcleo de Apoio ao Servidor Penitenciário (Nasp), datado em 15 de outubro do corrente ano, do início da pandemia até a presente data, tivemos 388 servidores que testaram positivo. É importante destacar que 387 destes já foram considerados curados e que 50 que estão inseridos no grupo de risco.
Vivenciamos uma realidade nunca vista antes, onde cargos e funções deram lugar a servidores públicos compromissados em prol dessa complexa engrenagem, quebrando paradigmas sobre o serviço público. Temos um governo atuante, frente a crise enfrentada nos últimos meses, comprometido com o bem-estar da população sem segregar nenhuma classe, fato este que vem sendo essencial para termos êxito no enfrentamento ao coronavírus. Juntos sempre seremos mais fortes.
Cláudia Costa é assistente social, especialista em Saúde Mental, Gestão do Sistema Prisional e Instrumentalidade do Serviço Social. Atualmente é gerente da Divisão de Assistência Social e Atenção à Família do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen)