Marias, Antônias, Franciscas, Anas, Conceições, Chicas, Leides, Martas, Zezés, Neides, Alaides, Raimundas, Marinas… São inúmeras as mulheres que impulsionaram a construção de políticas de inclusão social e desenvolvimento sustentável na Amazônia. Heroínas silenciadas pela história oficial, mas, lembradas por aqueles que tiveram a honra de estar ao lado delas nas trincheiras de luta.
Mulheres que consolidaram e deram voz aos ideais humanitários e ambientais defendidos por Chico Mendes. Reconhecendo sua contribuição para transformação social do país, a programação do “Encontro Chico Mendes 30 anos: Uma Memória a Honrar. Um Legado a Defender” dispôs de quatro painéis, neste domingo, 16, em Xapuri, que destacaram o protagonismo das mulheres na preservação da floresta amazônica e construção de políticas públicas.
As mesas foram mediadas pela socioambientalista, coordenadora do Comitê Chico Mendes, Angela Mendes. “Chico Mendes foi um visionário, mas, nós, mulheres, tivemos importante papel na luta dos movimentos sindicais. Lideramos grandes momentos na história do Acre e da Amazônia, como os empates por exemplo”, frisou.
Sobre o protagonismo das mulheres da Amazônia na preservação da floresta, o papo rolou entre Angela e outras duas gestoras do Programa Fundo Amazônia, Mariana Lima e Denyse Mello.
A tarde dedicada à história delas rememorou os testemunhos das mulheres que fizeram os empates com Chico Mendes. O público pôde conhecer e apreciar as vivências e ensinamentos de lideranças extrativistas femininas como Leide Aquino, Neide Ribeiro e Francisca Bezerra dos Santos.
“Durante os empates, as mulheres eram usadas como escudo. Acreditávamos que eles não atirariam em nós. Naquele época, eu não sabia o que era equidade de gênero, e foi no movimento sindical que descobrimos nosso protagonismo, mesmo sem entender direito o que era isso”, lembrou Leide Aquino, emocionada.
A contribuição das mulheres na consolidação de cadeias produtivas de valor da sociobiodiversidade também foi destacada na tarde de um domingo chuvoso, em Xapuri. As que palestravam, recordaram a história das mulheres responsáveis por pautar as políticas de desenvolvimento sustentável e contribuir com a mudança de paradigma social do planeta.
Lugar de fala
Foram necessários 40 anos de criação para que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Brasileia, fundado por Chico Mendes e Wilson Pinheiro, tivesse uma mulher à frente de sua presidência. Empoderada, Francisca Bezerra dividiu suas histórias de luta e resistência.
“Entrei no movimento sindical em 2008, a convite dos próprios companheiros. Pra mim, é motivo de muito orgulho liderar um sindicato gerido por Wilson Pinheiro e Chico Mendes. Estou na presidência para defender todos os trabalhadores e trabalhadoras, em especial, as mulheres pois ainda somos as que mais sofremos com a falta de políticas públicas. Chico se foi, mas sobrevive em nossos corações. Esse momento é de união em prol das nossas florestas”, observou a presidente do STR de Brasileia.
Raimunda dos Cocos, presente!
Um dos momentos de maior emoção foi liderado pela jornalista socioambiental Zezé Weiss. Emocionada, a ativista levou toda a plateia às lágrimas ao prestar uma merecida homenagem à Raimunda dos Cocos – uma da maiores lideranças rurais do país.
Vítima de diabetes, Raimunda Gomes da Silva faleceu em sua residência, no assentamento Sete Barracas, em São Miguel do Tocantins, em novembro deste ano. Pouco antes de partir, a quebradeira de coco fez questão de manifestar sua solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – ganhador do Prêmio Chico Mendes de Florestania 2018.
“A encontrei este ano em Brasília, ela me pediu para dizer ao Lula que se solidariza com as injustiças que ele estava sofrendo, mas que, graças a ele, as mulheres do Bico do Papagaio tinham alcançado conquistas e que esperava o encontrar em vida. A Raimunda partiu nas asas da quimera, está em algum lugar nesses mistérios do infinito e o nosso companheiro Lula está preso injustamente, e nós estamos aqui para reafirmar nossas lutas e dizer ao mundo que somos resistência”, enfatizou Zezé.
Raimunda dos Cocos foi porta-voz das trabalhadoras rurais extrativistas, e lutou em defesa do meio ambiente e direitos das mulheres. Reconhecida mundialmente, em 2005, integrou a lista internacional das mil mulheres que concorreram ao prêmio Nobel da Paz.
Devido à atuação na defesa dos direitos das mulheres trabalhadoras, principalmente na região do Bico do Papagaio, a líder extrativista recebeu o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal do Tocantins e prêmios como o Diploma Mulher-Cidadã Guilhermina Ribeira da Silva (Assembleia Legislativa do Tocantins) e o Diploma Bertha Lutz (Senado Federal) concedido às mulheres que ofereceram relevante contribuição na defesa dos direitos da mulher e questões de gênero no Brasil.
Contagiadas pelo sentimento de resistência e renovadas com a troca de energia e sororidade proporcionados pelo Encontro Chico Mendes 30 anos, as guardiãs da floresta encerraram a programação do dia aos gritos de “Raimunda, presente!”, “Lula livre”, “Chico vive”.