A velha imagem das balsas partindo carregadas com a castanha produzida no Acre para ser beneficiada em outros estados não vai mais se repetir. Foi sepultado o tempo em que suor dos extrativistas das florestas acreanas não era valorizado.
Agora a castanha-do-brasil continua deixando o estado, mas dessa vez após passar pelo processo de beneficiamento, com valor e orgulho agregado. Hoje o fluxo é outro – o Acre compra castanha para beneficiar e vende para outros estados.
Para coroar a vitória dos extrativistas – agora organizados em cooperativas que reúnem mais de duas mil famílias em vários municípios -, o governo do Estado, reconhecendo a força e o empenho dos trabalhadores da floresta, transferiu para a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre, a Cooperacre, três indústrias de beneficiamento de castanha (Brasileia, Xapuri e Rio Branco) e uma de processamento de borracha (Sena Madureira).
“A assinatura dessa lei é a realização do sonho de Chico Mendes. Quando ele lutou para a floresta ficar em pé, queria que os frutos dessa floresta pudessem gerar riqueza para os que moram na floresta. E não dá para gerar essa riqueza se não tivermos condições de agregar valor aos produtos da floresta”, disse o secretário de Indústria e Comércio, Edvaldo Magalhães.
A solenidade foi no pátio da maior e mais moderna fábrica de castanha-do-brasil, que será entregue oficialmente em março, com todo o maquinário. Serão necessárias 500 mil latas de castanha para fazer a indústria funcionar.
Vitória do homem da floresta
O governador Tião Viana falou sobre o bonito momento que significou a solenidade. “Sempre sonhei mostrar que é possível quem mora no campo viver melhor do que quem mora na cidade. É assim na Europa, e essa simbologia de hoje demonstra tal possibilidade”, afirmou.
Na hora que o produtor colhe o produto na floresta também participa como sócio numa indústria de ponta. Essa é a construção de uma economia capaz de gerar riqueza e distribuir renda”, disse o governador.
“Não foi fácil aprovar uma lei que desse aos trabalhadores essas quatro indústrias, um investimento de R$ 25 milhões. Eles preferiram prejudicar duas mil famílias, e essa é a parte ruim da política”, pontuou o vice-governador César Messias, referindo-se às dificuldades para aprovar a lei na Assembleia Legislativa.
Lourival Marques, secretário de Produção, anunciou a aquisição de 250 mil mudas de seringueira, que serão entregues aos produtores rurais.
Seringueiros comemoram o reconhecimento
“Admito que não tenho palavras para dizer o tamanho do significado de um encontro como este, por ser tão rico e de um valor tão grande. Esse encontro só é possível acontecer graças a essa luta que se iniciou na década de 70, com o companheiro Chico Mendes. A luta era tão justa que foi possível construir um governo neste estado que tem valorizado e reconhecido esse trabalho. Tem um significado histórico esse encontro.”
“A castanha ia para Belém [Pará], e agora ela vem para o Acre. Ela não sai mais daqui para ser vendida lá fora. Agora é o contrário. Eu hoje agradeço aos companheiros que estão à frente do governo. Foi uma luta nossa botar eles onde estão. Antigamente a gente tinha medo do governo, tinha medo de sentar perto de um secretário. Hoje eles estão no nosso meio.”
Sobre a Cooperacre
Criada em dezembro de 2001, a Cooperativa Central de Comercialização Extrativista do Acre, a Cooperacre, celebra 12 anos de luta, que simboliza uma história iniciada por Wilson Pinheiro e Chico Mendes.
Hoje a cooperativa conta com 30 galpões comunitários para armazenamento, quatro galpões centrais e cinco indústrias para beneficiamento de castanha, polpa de frutas e látex. São 250 funcionários e mais de duas mil famílias cooperadas.
A indústria de beneficiamento de castanha de Rio Branco – a maior e mais moderna do Brasil – tem a capacidade de processar 500 mil latas de castanha, mais que o processado em Brasileia e Xapuri. “Já compramos castanha de outros estados, e se Deus quiser nunca mais o Acre vai precisar vender a castanha como matéria-prima para ser beneficiada lá fora”, disse Manoel Monteiro, superintendente da Cooperacre.
Deputados aprovaram transferência das fábricas aos trabalhadores
“Este é fruto de um trabalho que fazemos há muito tempo, e eu preciso agradecer ao ex-presidente Lula por todo o apoio que nos deu. Hoje estamos passando quatro indústrias para as mãos de duas mil famílias de produtores, e, acreditem, toda a bancada de oposição foi contra. Eles alegaram que isso era um endividamento do estado, quando na verdade é um investimento. Eles nem conhecem de economia.”
“O trabalhador extrativista e da agricultura familiar terá a carteira verde, que vai garantir prioridade no atendimento. Vinte por cento de todos os procedimentos, sejam consultas ou exames, serão destinados aos trabalhadores, e até a metade do próximo ano essa lei estará aprovada e valendo.”
“Estamos aqui vivendo esse legado de Chico Mendes. Tive a oportunidade de ter contato com ele três vezes e pude ouvi-lo. E já se vão 25 anos de sua morte, e ele vive por meio da história e do valor que nos deixou. Quando eu votei nessa lei eu me emocionei, pois lembrei os meus avós e todos que deram o suor nessas florestas.”
“Na Assembleia há uns deputados que dizem que no Acre não se produz nem cheiro-verde, e isso é um desrespeito ao que o trabalhador tem de mais sagrado, que é o suor dele. Precisamos de um governador assim, que seja incansável, quebre paradigmas e preconceitos de achar que não é possível o estado brasileiro botar fábrica na mão de trabalhador. Esse ato é fruto de uma visão avançada de um socialista democrático que compreende que é possível os trabalhadores viverem bem.”
“É a indústria que faz a economia crescer. O Tião também faz certo quando aposta na parceria público-privada-comunitário. Dinheiro na mão do povo sempre volta aos caixas do governo. Trabalhador só quer uma oportunidade, só um jeito de fazer as coisas andarem.”
“Quem iria imaginar que seria possível botar dois mil produtores ao lado de uma fábrica como esta, onde cada um pode bater no peito e dizer: ‘Isso aqui é nosso, nós ajudamos a construir’. Esse é o melhor presente que o extrativista poderia receber neste Natal.”