Caminhar por pelo menos seis quilômetros, de casa até o local onde fica o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Acre (Sindomestico), tem sido a realidade enfrentada por Jane Aparecida da Silva, presidente da entidade na última década.
Liderar e manter uma associação sem recursos financeiros tornou a luta sindical de Jane Aparecida e de sua assessora Roselene Lima ainda mais árdua. Era como cobrir a cabeça e descobrir os pés, já que nenhuma delas dispunha de renda fixa para manter-se, tampouco o sindicato possuía caixa para continuar funcionando.
“Muitas vezes eu não tinha dinheiro para o ônibus, mas precisava vir ao sindicato para ajudar as companheiras. Então, eu vinha a pé. Outras vezes, faltava carne e gás nas nossas casas, porque ou a gente trabalhava de doméstica ou ia lutar pelo sindicato. Patrão nenhum ia aceitar a gente sair do emprego pra ir para reunião de sindicato defender nossos direitos”, resume Jane.
Escravas modernas
A luta das sindicalistas sempre foi pautada num propósito: ver garantido os direitos de sua categoria. No Brasil, estima-se que a ocupação de 5,9 milhões de pessoas seja o trabalho doméstico; destes, 92% são mulheres, de acordo com pesquisa do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em março de 2016.
No Acre, são parceiros do sindicato o governador Tião Viana, que assinou semana passada um convênio de R$ 87 mil para ajudar na organização e manutenção da entidade, e o militante humanista Abrahim Farhat, o Lhé, que desde 1977 empunha a bandeira da garantia de direitos para trabalhadores domésticos, na época em que foi criada também a Associação de Lavadeiras do Acre.
Lhé lembra que, naquele período, as dificuldades eram ainda maiores porque as próprias trabalhadoras sentiam-se inferiorizadas por conta da ocupação profissional que tinham. Tanto que a maioria preferia não ter a carteira de trabalho assinada como “trabalhadora doméstica”.
“A primeira presidente foi a Maria Amâncio, hoje enfermeira. As nossas domésticas são as escravas modernas. Passam a ter direitos a partir da gestão da presidente Dilma Rousseff, com a assinatura da PEC das Domésticas baseada no apoio da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Antes, elas não tinham direitos assegurados e, muitas continuam escravas, mesmo depois da lei”, afirma o militante.
Durante o período em que foi assessor parlamentar do então senador Tião Viana, Lhé atuava diretamente com os movimentos populares e conseguiu viabilizar apoio ao Sindomestico via gabinete do senador.
“Não deu certo a Associação das Lavadeiras, criada em 1977. Com as domésticas também não. Então fizemos uma nova tentativa em 2007, a partir do gabinete do Tião Viana. Uma das trabalhadoras domésticas chegou a ir à Brasília para participar de atividades sindicais, com apoio do gabinete”, recorda Lhé.
Luta permanente
A partir de 2007, portanto, recomeça a atuação do Sindomestico. “Logo veio a Jane que está à frente do sindicato até hoje. Conseguimos com muita dificuldade. Toda vitória do trabalhador é fruto da luta dele mesmo. A gente apoia, o gabinete do senador apoiou, mas a vontade maior é do trabalhador”, pontua o ex-assessor parlamentar.
Mas as dificuldades seguiam fazendo parte da jornada da sindicalista Jane Aparecida. Lhé ressalta que, ao contrário dos demais sindicatos das classes trabalhadoras, as domésticas não possuem remuneração assegurada quando estão no exercício da atividade sindical. Dependem do que arrecadam com o sindicato ou de recursos próprios, que são escassos.
“Cobramos mensalidade de R$ 5, mas sai mais caro para elas ir até o sindicato e pagar essa mensalidade porque elas precisam pagar o transporte”, observa Jane Aparecida.
A presidente do Sindomestico confessa que inúmeras vezes pensou em desistir do trabalho sindical. “Faltava comida em casa porque não tínhamos como trabalhar de doméstica. O Lhé saía ligando para um e para outro e conseguia ajudar a gente, mas era difícil”, recorda a sindicalista.
Em 2008, veio a legalização do sindicato. Contudo, o Sindomestico ainda não dispunha de sede, equipamentos próprios ou qualquer outro recurso. “Só tínhamos a boa vontade e pequenos apoios. A CUT [Central Única dos Trabalhadores] nos cedeu uma sala, outros doaram mesa, cadeira, e assim a gente foi se ajeitando”, conta Jane.
Creuza Maria de Oliveira, atual secretária-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores Domésticos, foi peça fundamental para a consolidação do Sindomestico. Mesmo de longe, Creuza Maria auxiliava e aconselhava a líder sindical do Acre.
Um novo tempo
Depois de tantos percalços, há pouco mais de uma semana Jane Aparecida, Rose Lima e Lhé viram nascer um novo tempo para o sindicato. “Com o empenho e a força delas, chegamos até aqui. A maravilha agora é que Tião [Viana] telefonou outro dia para contar que ia assinar o convênio. Mesmo com a situação econômica do país muito difícil”, comemora o militante.
O convênio ao qual Lhé refere-se garante ao sindicato o repasse de R$ 87 mil. Foi assinado na Casa Civil, na segunda-feira, 31, pelo governador Tião Viana, num ato que o militante classificou como “simples, mas repleto de significado”.
Na ocasião, Tião Viana que é apoiador dos trabalhadores domésticos desde seu mandato no Senado, declarou que: “o Acre mostra que é contra o preconceito contra essas categorias e a favor do fortalecimento da dignidade humana. O sindicato pode se tornar líder do seu tempo, do seu futuro”.
Os planos da direção agora são de ampliar as ações do Sindomestico que hoje conta com 385 associados. “A gente vai dá uma reviravolta porque esse é um recurso específico para a manutenção das atividades. Ele vai garantir, por 12 meses, ajuda de custo para dois membros da direção. Vamos ter como buscar apoio institucional para desenvolver mais ações”, adianta Rose Lima.
A assessora do Sindomestico revela que inúmeras vezes foi o apoio de parceiros que auxiliou as atividades sindicais. “Quando precisamos viajar, um cede a passagem de avião, outro consegue um veículo para nos deixar e buscar no aeroporto, e outros fazem doações para que possamos nos manter fora do Estado. Porque nós, sozinhas, não temos condições e o sindicato também não tinha”, pontua Rose Lima.
Entre os parceiros estão os conselhos estadual e municipal da mulher, Conselho de Igualdade Racial, Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). “Tudo que solicitamos de apoio institucional, sempre fomos atendidos”, afirma a assessora.
Rose Lima revela que pesquisas realizadas durante a votação da PEC das Domésticas indicaram que no Acre há 23 mil trabalhadores domésticos. Desse universo, pouco mais de 1% está sindicalizado.
Após o convênio assinado com o governo, a direção do Sindomestico almeja chegar aos municípios do Acre e alcançar pelo menos 10% desses trabalhadores. Para Rose Lima e Jane Aparecida, se o sindicato conseguir ampliar o número de associados, terá mais uma conquista.
Hoje, as dirigentes encontram dificuldades para conscientizar as trabalhadoras domésticas de Rio Branco sobre seus direitos, e quando conseguem, ainda precisam atuar na valorização e na elevação da autoestima da categoria.
“Nosso sentimento hoje é de gratidão ao Governo do Estado por ter a sensibilidade de fazer essa parceria com o sindicato. De todo coração, agradecemos ao governador Tião Viana e aos nossos parceiros que estiveram nos apoiando até agora, e esperamos poder continuar contando com todos”, finaliza Rose Lima.