Quando se fala em doação de órgãos e tecidos, é comum associar o gesto a solidariedade, amor ao próximo, gentileza, ato de nobreza e, acima de tudo, compaixão. Compaixão porque a decisão dos familiares das vítimas sempre é tomada em momentos de muito sofrimento com a recente notícia de morte de um ente querido.
É sabido que o Acre ainda precisa avançar muito em relação à captação de órgãos, uma vez que a recusa familiar ainda é muito grande no estado, de mais de 70%. Entretanto, a negativa das famílias só aumenta os esforços da equipe da Central de Transplantes, que vem transformando os “nãos” em esperança e recomeço para quem espera na fila de transplantes.
Nas últimas duas semanas, familiares de dois pacientes autorizaram a doação de órgãos. Em ambos os casos, as córneas doadas contemplaram pacientes acreanos que aguardavam pela doação para voltar a enxergar. Maria da Glória Conceição é mãe de uma das vítimas que autorizou a doação da filha adolescente, que faleceu aos 18 anos em decorrência de uma aneurisma cerebral.
“Nenhuma mãe está pronta para enterrar um filho, não é natural. Minha filha era jovem e saudável. Infelizmente, ela não resistiu às cirurgias e faleceu. Conversando com uma amiga, ela disse que queria salvar outras vidas, caso fosse chamada por Deus. Então respeitei sua vontade e fiquei em paz com minha decisão”, destaca Maria da Glória.
Mesmo enlutada com a morte tão precoce da filha, a dona de casa, que tem outros dois filhos, sabe da importância de seu gesto para salvar outras vidas. “A vida dela chegou ao fim, mas também gerou um novo recomeço para quem estava sofrendo na fila de transplantes”, ressalta.
Olinda Filomena da Silva, de 86 anos, sabe mais do que ninguém a importância desse gesto de amor. Quase quatro anos enxergando só vultos em decorrência de uma ceratopatia bolhosa, ela recebeu uma nova córnea, durante transplante realizado na última segunda-feira, 30.
A córnea recebida pela aposentada foi autorizada pela família de um homem de 50 anos, que morreu na semana passada após um acidente vascular cerebral hemorrágico. Olinda se recupera bem após o transplante e conta que está ansiosa para tirar o curativo e voltar a fazer as coisas de que tanto gostava, como cozinhar e cuidar da horta no quintal.
“Sem ver direito, não podia mais fazer as coisas de que gostava, como cuidar do jardim e da minha hortinha no quintal. Mas, graças a Deus e ao bom coração de quem autorizou a doação, vou voltar a enxergar”, diz a aposentada, acrescentando ainda que, apesar da idade avançada, nunca perdeu a fé de que poderia voltar a enxergar.
De 2006 para cá, 11 anos desde a criação da Central de Transplantes, o Acre já proporcionou um novo recomeço de vida para mais de 600 pacientes que aguardavam na fila de transplantes. Desses, 312 procedimentos foram realizados no Hospital das Clínicas, graças à permissão dos familiares. Olinda é a 196ª paciente a fazer um transplante de córnea no Acre.