Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural aprova parecer do Tombamento do Casarão

Documento destaca a importância do tombamento do bem imóvel, a partir de  seu valor como memória  social, pelo que representa para a cidade, para a sociedade e sua história como garantia da cidadania cultural

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Prédio do Casarão é um dos símbolos da resistêcncia e vanguarda cultural acreana (Foto: Arquivo Secom)

Com a retomada em 2008 de suas atividades, o Conselho Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural tem debatido entre sua pautas de maior relevância, questões relacionadas aos processos de tombamento de bens históricos culturais. Um desses processos, que trata do Tombamento do Casarão, teve parecer aprovado por unanimidade na última quinta-feira em reunião na Casa da Cultura, com a participação de Daniel Zen, presidente do Conselho, e dos membros conselheiros: os historiadores Dalmir Ferreira e Gerson Albuquerque, Delnete Campos, chefe do setor de tombamento do Patrimônio Histórico e Cultural, Adalgisa Bandeira, representante da SETUL e Libia Almeida, da Assessoria dos Povos Indígenas. O parecer foi elaborado pelo relator do processo, o historiador e conselheiro Gerson Rodrigues de Albuquerque, membro representante da Universidade Federal do Acre no Conselho.

O processo de um dos mais representativos símbolos de resistência e vanguarda cultural acreana, o Casarão, iniciou há dez anos, a partir de um Manisfesto encaminhado ao Conselho, e assinado por cento e trinta e duas pessoas de diferentes segmentos da sociedade acreana. O Manifesto reivindicava o tombamento do imóvel, como Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Cultural do Estado do Acre.

É fato que a importância do tombamento deve ser medida pelo que o imóvel representa para a cidade, para a sociedade e sua história. No parecer, Gerson Albuquerque reflete essa importância quando chama à atenção de que o tombamento do imóvel não se configure como memória oficial "a casa de Fontenelle de Castro – como alguns inadvertidamente tentaram consignar em alguns dos primeiros documentos que culminaram com a elaboração do presente processo", descreve o historiador. Mas que seja levado em conta a memória social do espaço, "aquela que não tem controle, aquela que está presente em diferentes pessoas de forma intensa e significativa em seus imaginários, em suas subjetividades, nas experiências que querem e gostam de lembrar e de re-significar", analisa.

No parecer o relator defende a idéia de que no processo de tombamento do  imóvel, o patrimônio seja visto como algo recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana.

"Estudantes, professores, trabalhadores rurais e urbanos, desempregados, boêmios, poetas, músicos, teatrólogos, atores, sindicalistas, militantes políticos e uma infinidade de outros sujeitos sociais da cidade de Rio Branco criaram e recriaram o "Casarão", a partir do início da década de 1980. O que confere sentido e legitimidade a todo o processo de tombamento desse lugar é esse contexto histórico e todo o acervo de memórias daí resultantes", relata Gerson Albuquerque.

Outro enfoque do parecer fortalece a ideia do tombamento do Casarão por interesse histórico, artístico e cultural, no sentido de que o conhecimento e a valorização dos bens culturais contribuem com o despertar da cidadania e com  a noção de que expressam  a história e a tradição local e regional. Para o relator o patrimônio Casarão aguça o sentimento de pertencimento. São reflexões que situam o valor do imóvel como um dos alicerces do desenvolvimento da sociedade.

"É essa a arquitetura que reveste de sentidos e de importância o tombamento do "Casarão" e isso nada tem a ver com a nostalgia dos dominantes de ontem e de hoje; com a preservação de uma casa de "coronel de barranco" ou com a trajetória de um "construtor de bueiros e cadeias públicas". Tem a ver sim, com o fato de que aquele lugar deixou de ser apenas um imóvel de propriedade particular e se tornou em lugar de referência para uma multidão de sujeitos. Alguns são conhecidos nos meios artísticos, acadêmicos e políticos locais, mas a maioria nem sequer teríamos condições de enumerar ou indicar seus nomes nestas páginas, com suas memórias infinitas, inumeráveis. É em função desses grupos de mulheres e homens de Rio Branco ou que estiveram de passagem por essa parte das Amazônias que o tombamento do "Casarão" se justifica, com suas utopias ou suas metanarrativas, no dizer de Néstor Canclini".

Ao fazer suas considerações sobre o parecer, o presidente do Conselho, Daniel Zen, fez questão de dizer que mesmo que não tenha vivido os tempos áureos, de eferverscência cultural do Casarão,   reconhece a importância do imóvel por seu valor   como Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico e Cultural para a cidade, para a sociedade e sua história.   

"Parabenizo o conselheiro relator, pelo relatório e pela análise apurada. Não tive a oportunidade de viver os tempos áureos do Casarão, mas frequentei o espaço por muitas vezes: comemorei minha aprovação no vestibular, careca, lá no Casarão, ao som de  Álamo Kário e banda. Já não era aquele ponto de ebulição, mas ainda guardava um clima semelhante, resquícios dos tempos idos e áureos do Casarão, desde a época em que o professor Pedro Vicente iniciou, junto à Miguel Angel Ortiz e outros, as atividades do lugar: a livraria e toda a agitação cultural que lá acontecia. O Conselho está dando um retorno à sociedade. Após dez anos do requerimento da abertura do processo de tombamento, se conclui o mesmo em meio a abertura de vários outros processos de tombamento igualmente importantes. Contudo, o tombamento do Casarão é simbólico e significativo, porque não foi iniciado a partir de uma resolução do Conselho, mas sim por motivação popular, como prevê a Lei Estadual de Patrimônio Histórico e Cultural. Sendo assim, ele traz esse simbolismo elevado. É necessário pensar mecanismos para que os Conselhos de Estado, que já contam com a participação popular e de diferentes instituições da sociedade civil, consigam incorporar um coeficiente de participação popular ainda mais elevado, com a realização de consultas e audiências públicas, como forma de legitimar ainda mais suas decisões ".

Os conselheiros aprovaram o parecer por unanimidade destacando sua importância principalmente por ressaltar o valor do imóvel como memória social.

 

{xtypo_quote}Não acredito que um tombamento que é feito somente pelos especialistas seja um tombamento aceito pela população e toda a comunidade, e que ela tente se apropriar disso. Então eu sou totalmente favorável e compreendo que o Casarão não é um bem que tem que ser tombado porque ele era a residência dos Fontenelle. Tenho trinta anos de Acre e sempre que eu ouço falar em Casarão, eu ouço falar como Casarão e não como a casa dos Fontenelle. Então, ele é para ser tombado porque as pessoas que recorriam aquele local num momento de descontração, num momento de cultura apresentavam a cultura acreana através da música, dança, festa.
Adalgisa Bandeira – SETUL{/xtypo_quote}

{xtypo_quote}Sou favorável ao tombamento do Casarão, mas faço questão de deixar claro que o tombamento do Bom Destino, não foi completo talvez por uma falta de interesse, ou por falta de consciência de poder do Estado. Não existe nada irrevogável dentro de um tombamento, o que existe é a vontade popular.
Dalmir Ferreira – historiador{/xtypo_quote}

{xtypo_quote}Opiniões, natureza, política, meio ambiente. Acredito que praticamente surgiu ali a ideia de tornar o Acre ambiente de floresta, a florestania, de reunir os nossos serigueiros. O Casarão foi um ponto de encontro das pessoas que podiam ser beber da fonte da cultura, do conhecimento de muitas pessoas, como intelectuais, políticos e fazedores de cultura. Nunca tive ideia de que ali era a casa dos Fontenelle,  o Casarão pra mim sempre representou esse ponto de encontro  marcante. Sou totalmente  favorável ao parecer do conselheiro Gerson Albuquerque.
Delnete Campos – chefe do setor de tombamento do Patrimônio Histórico e Cultural{/xtypo_quote}

Audiência Pública

O parecer finaliza ressaltando as condições e providências que deverão ser tomadas e executadas pelo Conselho Estadual com o propósito de assegurar  que os espaços públicos tombados e protegidos por lei não sejam privatizados pelos interesses de políticas de governo, mas devolvidos à sociedade para que dele possam usufruir livremente como garantia da cidadania cultural:  1) Convocação de um Audiência Pública, com ampla divulgação e a garantia de livre participação com direito a voz e voto dos que se fizerem presentes para decidir sobre o futuro imediato do lugar "Casarão"; 2) criação de uma Comissão Mista (Conselho de Patrimônio Histórico e entidades populares), com direito de veto, para participar do processo de formulação e execução do projeto de restauração do lugar "Casarão".

Os conselheiros terminaram a reunião com o indicativo da audiência pública para o final de outubro deste ano e lançando a proposta para a elaboração de um manifesto, que terá como palco a Praça da Revolução com atividades culturais. 

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