ChatGPT

Por Milton Chamarelli Filho*

Depois de Mallarmé, muitos, talvez, o tenham parafraseado e dito: “tudo no mundo existe em para acabar em um jornal”; “tudo no mundo existe em para acabar em uma fotografia”; “tudo no mundo existe em para acabar em um filme de cinema”; “tudo no mundo existe em para acabar em uma TV”; “tudo no mundo existe em para acabar em um smartphone”. Escatologias à parte, entre “apocalípticos e integrados”, estamos sempre a decretar o fim do mundo pelo implemento de uma nova tecnologia.

Na história da comunicação, sempre houve quem abraçasse uma nova mídia e quem a repudiasse ferozmente. Estamos aí, diante do ChatGPT, que não é um meio de comunicação, mas que se apresenta como algo também que admiramos e que nos ameaça, que nos traz fascínio e loucura; discussões que passam pela história da imagem e de seu duplo e da história do próprio homem, quando se pode pensar em nos demover do único lugar de onde não
acreditamos sair: da vida.

A vida como um palco de representações – desculpem o clichê – mas à qual se sobrepõe uma camada de signos sobre o que somos: carne, osso, neurônios e a alma que perfaz a equação gestáltica de que o “todo é sempre mais do que a soma das partes”. Mas que mesmo assim não a esgota porque nenhuma representação pode ser idêntica à realidade, como nos mostrou Borges no miniconto fantástico: “A arte da cartografia”, em que um mapa chegou a tal extensão, pelo “rigor da ciência”, que cobria todo território e, ao fazê-lo, tornou-o ruína.

Sabemos, intimamente, que o nosso maior inimigo é o tempo de cada um, mas, ao mesmo tempo que ele nos alimenta pelo sabor de viver, vai tirando de nós uma célula de existência. Viver é, ao mesmo tempo, ligar o cronômetro e o temporizador; é estar no intervalo de “traduzir-se”, de Ferreira Gullar. Sempre cremos viver em um tempo dilatado, nos intervalos entre 0 (o nada) e o 1 (o tudo), e é por essa lacuna ou o que supomos dela que faz com que nesse espaço infinitesimal possamos construir uma vida, uma cultura.

O ChatGPT não é o fim, o ocaso do humano, nem as respostas que ele dá podem levar ao fenecimento do humano, porque sempre haverá respostas diferentes para um mundo que demanda de nós inventividade, subjetividade, criatividade, ou algo tão interseccional entre essas características que continuará fazendo, do homem, homem.

Não temo as respostas, mas a (n)possibilidades de um algoritmo prover todas as explicações, em todas as escritas de todos os alfabetos possíveis, até os inimagináveis, estarem escritos, como se não houvesse mais homens ou mulheres, mas, sim, o que temo é aquilo que entre a mão e o cérebro terá feito com que suas reações a um mundo insólito sejam tão ou mais singulares do que eles mesmos, do que nós mesmos.

*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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