Em maio de 1985, os trabalhadores da floresta do Acre foram a Brasília para provar que existiam e para protestar, como cidadãos brasileiros, contra a destruição do meio ambiente amazônico.
Numa sala improvisada na Universidade de Brasília (UnB), discursaram, cantaram e dançaram. Até rezaram o Pai-Nosso adaptado ao Conselho Nacional dos Seringueiros (hoje dos Extrativistas), criado na ocasião, lançando a palavra-chave da luta contra o desmatamento: “empate”.
Com suas famílias, eles estavam sendo expulsos das terras que habitavam nos antigos seringais, e não aparecia ninguém para socorrê-los. Pelo contrário, a ditadura que comandava o país na época era quem financiava a “revoada de jacus” que chegava ao Acre para substituir o homem pelo boi, em nome de um progresso equivocado e criminoso.
A “bovinização”, como ficou conhecida a agressão ao homem e ao meio ambiente, vinha do Sul e do Sudeste, também do Centro-Oeste, como uma chuva de gafanhotos bancada com dinheiro público e incentivos fiscais.
O bastante para contratar motosserras, peões e jagunços armados, como se não bastasse o aparato policial, os políticos corruptos e a justiça elitizada que agiam em nome do governo contra os desprotegidos.
Foi então que, em 1975, os trabalhadores se juntaram em oito sindicatos para organizar a “força dos fracos”. E para fazer os empates contra o desmatamento e as expulsões.
Quando chegaram a Brasília, já eram 30 mil associados, com organização, coragem e força, como demostrariam no “mutirão contra a jagunçada” que empreenderam na estrada de Boca do Acre, em setembro de 1979, com 300 homens sob o comando de Wilson Pinheiro, então presidente do Sindicato de Brasileia.
As lutas acreanas repercutiram no país e no mundo, e custaram aos povos da floresta o assassinato dos líderes Wilson Pinheiro (1980) e Chico Mendes (1988) que deixaram, entretanto, enorme legado para os trabalhadores do Acre e de todo o Brasil.
As Reservas Extrativistas, que asseguraram a permanência dos seringueiros, ribeirinhos e pequenos agricultores em suas antigas colocações de seringa são o melhor exemplo. Elas expressam um novo conceito de reforma agrária, ecológica e humanitária.
Pois bem, passaram 40 anos desde os tempos de chumbo, e as ideias preservacionistas sustentadas por Wilson e Chico prosperaram. O sonho de manter a floresta em pé, de afastar o ronco da motosserra e conter o boi nas áreas já desmatadas (13%) se mantém no Acre.
E começa agora o desafio de trabalhar com ciência e tecnologia, de forma sustentável, o passivo florestal, uma riqueza ainda não mensurável, mas que se sabe que é monumental.
Recentemente, um ministro brasileiro (Mangabeira Unger) veio ao Estado e enxergou o experimentalismo acreano como “o que existe de novo no país, e se o Brasil quiser se salvar terá que copiá-lo”. Mas, qual é o experimentalismo acreano?
Creio que, para sobreviver, o Acre sempre experimentou formas de resistir a agressões do mundo desenvolvido. Acuado com suas florestas, seus rios, seu povo encabulado (mas íntimo da natureza), foi persistindo, ampliando o sentimento, até se impor com sua biodiversidade, sua tradição e com a “força dos fracos” como um atalho para o futuro.
Hoje, o Acre é uma referência ecológica para o mundo. Mantém chagas e desacertos profundos, mas lembra a ousadia de 1985. É nesse clima que acontecerá na segunda-feira, 30, o I Encontro das Cadeias Produtivas Sustentáveis, para discutir uma novidade produtiva que junta governo, empresa e comunidade como forma de gerar emprego e renda nos espaços já alterados décadas atrás.
O lançamento será feito em Brasileia, berço da luta de Wilson Pinheiro e Chico Mendes, com a presença de empresários, governador e secretários, e também trabalhadores da floresta.
Vão falar sobre criar suínos, aves e peixes em pequenas áreas, para abastecer fábricas que vão exportar alimentos e gerar receita na região do Alto Acre. E sobre plantar espécies como milho, café, açaí… e taboca.
Essa é recente e extraordinária: o que o acreano chamava pejorativamente de “taboca”, generalizando, é o bambu que o Acre tem em abundância e representa uma das riquezas da China.
Os chineses, há séculos, fazem o que querem e ganham o que querem, com o bambu. E se orgulham de possuir a maior floresta do mundo da espécie, cerca de 5 milhões de hectares. Pois, fiquem sabendo que o Acre sozinho (observem que o estado é uma titica diante da enorme China) possui 4 milhões de hectares.
A exemplo da Acreaves, da Dom Porquito (suínos) e da Peixes da Amazônia, o açaí e o bambu terão sua cadeia produtiva sustentável em breve. E o Acre poderá vir a ser um dos estados mais prósperos do país, exportando produtos novos por um novo caminho, a Rodovia Transoceânica e o Oceano Pacífico, para poderosos mercados asiáticos.
Coincidentemente, o ex-presidente Lula, o grande amigo do Acre, vai estar em Brasileia na próxima segunda-feira. Como esteve no velório de Wilson Pinheiro, em 1980, e no de Chico Mendes, em Xapuri, em 1988. Desta vez, para se envolver com as Cadeias Produtivas Sustentáveis. Afinal, foi ele quem tornou possível, como presidente da República, a construção do trecho da BR-364 até Cruzeiro do Sul; e a Rodovia Transoceânica. Uma obra de nível internacional que poderá tornar-se escoadouro do experimentalismo acreano.