Brava Gente – “Eu sou o Kleber”: a história de um homem especial

“A inclusão chegou para ficar, de fato e de direito”, afirma Kleber da Silva (Foto: Onides Queiroz)

“A inclusão chegou para ficar, de fato e de direito”, afirma Kleber da Silva (Foto: Onides Queiroz)

Na hora do recreio, quando todas as crianças saíam correndo da sala de aula, ávidas pelos parcos minutos de liberdade, Kleber permanecia lá, sozinho e quieto. Não tinha amigos entre os que só se dirigiam a ele para apontar suas dificuldades e ridicularizá-lo. A paralisia cerebral que sofrera ainda no ventre materno lhe deixara sequelas motoras visíveis na movimentação dos membros e na dicção. E era recebida pelos colegas com palavras cruéis e isolamento.

Pela primeira vez, o menino estudava numa classe com 40 alunos “normais” e, naqueles idos de 1982, não se falava em inclusão social, termo que ensaia seus primeiros passos no mundo contemporâneo. A professora Rita – ele não esqueceu o nome – lhe ofereceu grande apoio.

Ao longo dos anos, ele próprio esforçou-se tanto que conseguiu concluir o ensino médio com ótimas notas. Ainda assim, a experiência emocional foi devastadora. “O que eu passei… Pouca gente aguentaria”, garante, do alto de suas cicatrizes.

Que são muitas. Durante a chamada, alguns professores, pertencentes àquela categoria que considera muito produtivo atribuir números a pessoas, não tinham paciência para ceder-lhe o tempo para responder à chamada e simplesmente lhe davam falta.

Também perdeu a conta do número de vezes que chegou à sua casa chorando, machucado pelos insultos ouvidos na escola ou na rua. Na matrícula para o ensino médio, a professora de inglês, que se encontrava na secretaria, fez questão de adverti-lo de que ele “já estava reprovado” na disciplina que lecionava, pois suas limitações não lhe permitiriam aprender. “Ela me julgou pela aparência”, avalia Kleber. Mas a pouco inspirada educadora teve chance de mudar de opinião. Apenas 20 minutos depois de aplicada a primeira prova, o rapaz entregou-a. A criatura, incrédula, não poupou o disparate: “Viu? Eu disse que você não iria conseguir”. Mas Kleber obteve a nota mais alta da turma. “Por incrível que pareça”, ainda teve a coragem de arrematar, diante de toda a turma, a “brilhante” profissional. O que não impediu o aluno de seguir adiante e concluir o então segundo grau como o melhor aluno da classe.

Prestou vestibular na Ufac (Universidade Federal do Acre) quatro vezes. Conseguia aprovação na primeira fase, mas, devido à deficiência na coordenação motora, não passava na redação. Segundo conta, quando entrava com processo para requerer um meio alternativo de fazer o exame, o recurso era negado. Num dos concursos concederam-lhe uma máquina de escrever. Quando ele começou a datilografar, a poeira levantava junto com os tipos, a cada toque. E a fita que imprimia a letra no papel já não tinha mais tinta.

Por isso resolveu se encaminhar para uma faculdade particular, onde se graduou em Pedagogia em 2011. Seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) foi o único da turma de 68 alunos que obteve nota dez. E Kleber já emendou uma pós-graduação em Educação Especial ao seu currículo, a qual deve concluir até dezembro.

Há 22 anos trabalha na Coordenação de Ensino Especial da Secretaria de Estado da Educação do Acre. “Tudo o que eu faço na minha vida é voltado para a educação”, afirma Kleber, enquanto contribui para que crianças e adultos portadores das mais diversas necessidades especiais possam ser acolhidos no ambiente escolar com mais delicadeza e profissionalismo do que ele foi. “O sistema educacional teve avanços significativos neste país, o governo implantou ações direcionadas à inclusão, está havendo mais capacitação e recursos financeiros para que isso se torne uma realidade. A inclusão chegou para ficar, de fato e de direito”, diz Kleber.

Toda essa experiência fez surgir um modo maduro de enxergar a interação entre os seres humanos, fundada na tolerância. “Estamos no mundo da diversidade agora, e este mundo é muito bom. Afinal, todos somos diferentes”, observa. Kleber também teve a oportunidade de refletir sobre o preconceito: “A maior barreira que o deficiente, o negro, o gay precisa vencer está dentro de si. Eu sinto que venci a mim mesmo. Não preciso provar nada pra ninguém. Eu sou eu, eu sou o Kleber”.

Além de estudar e trabalhar, ele, que mora só, faz comida, lava roupa, limpa a casa. E namora, que ninguém é de ferro, minha gente!

Como se vê, estava errado o diagnóstico do neurologista que um dia declarara que Francisco Kleber Oliveira da Silva jamais reuniria condições de aprendizado. O menino tímido que não ousava abrir a boca é um homem forte e cada vez mais qualificado, uma referência para os colegas em sala de aula. Com um sorriso de vitória, ele reconhece:

– Que mudança, hein?

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