Nesta sexta-feira, 23, o dia se iniciou com cenas registradas em fotos e vídeos de uma manhã de alegria e gratidão dos hansenianos da antiga Colônia Santa Isabel na cidade de Betim, nas proximidades de Belo Horizonte, em Minas Gerais.
O motivo da manifestação foi a chegada do governador Tião Viana, convidado especial incluído nas comemorações pelas conquistas e reparos numa sociedade que por muitos anos os condenou por serem portadores de uma doença “bíblica” mal compreendida.
A homenagem ao governador acreano, que é médico, deve-se ao fato de ele ter sido autor da lei que estabeleceu pensão vitalícia a todas as pessoas que contraíram a doença no país, durante muitas décadas, e por falta de conhecimento sobre o mal, por parte da sociedade, sofreram discriminação e restaram confinados nos chamados “leprosários”, em grande sofrimento.
Em todo o Brasil, cerca de 40 mil hansenianos foram separados compulsoriamente de filhos, esposas ou maridos, enfim, de suas famílias, o que agravou sua situação de dor física, espiritual, econômica e social.
Em 2007, o então senador Tião Viana conseguiu a aprovação da lei que os libertou da segregação e assegurou condição financeira vitalícia como compensação por tamanho sofrimento.
A lei foi sancionada pelo presidente Lula, e agora, a presidente Dilma quer estender o benefício aos filhos que foram separados dos pais com a justificativa, desnecessária, de evitar o contágio.
O ministério da Secretaria-Geral da Presidência da República estima que pelo menos 15 mil filhos de pessoas com hanseníase foram arrancados dos pais.
No direito já conquistado, o alcance social do benefício foi tão grande que os hansenianos passaram a tratar o recurso pelo nome de “Tião Viana”, ou seja, o governador acreano virou moeda entre as pessoas que estão festejando as conquistas e os reparos da discriminação histórica.
Ouvir relatos do passado sempre nos tira lágrimas e dá a sensação de termos um nó na garganta. Afinal, a ignorância do homem pode levá-lo a caminhos monstruosos.
Um de tantos relatos que choca é o de Valdenora da Cruz Rodrigues, que aos 8 anos de idade, no interior do Amazonas, teve de ser enviada para uma colônia de hansenianos. O trajeto só podia ser feito de batelão (embarcação típica da região), mas o dono do barco se recusou a conduzi-la com os outros passageiros.
Depois de muita angústia, os pais encontraram como alternativa amarrar uma jangada no batelão, e por três dias a pequena Valdenora teve de viajar em cima dela. A comida chegava em lata, também amarrada a uma corda. Não há como mensurar a angústia dessa garotinha.
Hoje, Valdenora fala com orgulho do que conquistou e da luta que sempre travou contra o maior dos inimigos: o preconceito. E não pensem que os tabus quebrados a respeito da doença se foram. Eles ainda são visíveis em uma sociedade que muitas vezes ignora seus erros e não faz questão de corrigi-los.
Não dá para finalizar estas linhas sem mencionar o protagonismo do Acre, pois, antes mesmo das conquistas mencionadas, a coragem de sua gente – como o líder hanseniano Bacurau, que sempre expressou sua dor e luta por meio da poesia – fez a sociedade ouvir e enxergar a injusta segregação dos portadores de hanseníase.