Aqueles que caminham pelas ruas, navegam pelos rios, percorrem estradas e ramais acreanos vivem o legado das resistências às correrias que massacraram etnias indígenas e à exploração a que eram submetidos os seringueiros nordestinos e nortistas no “inferno verde” – conforme narrado por Euclides da Cunha -, fatores que tiveram reflexo na Revolução Acreana.
Há 52 anos, no dia 15 de junho de 1962, o território de muitas batalhas foi elevado a Estado da República Federativa do Brasil. A autonomia do Acre foi reconhecida por meio da lei nº 4.070, assinada pelo presidente João Goulart.
Até o Acre passar de território a estado, o projeto apresentado pelo deputado José Guiomard dos Santos, favorável ao Movimento Autonomista, foi fortemente questionado em motivo da crise que a região vivia naquele momento.
Reconhecida a condição de estado, a primeira medida foi a convocação de eleição direta para governador. Na disputa, Guiomard dos Santos e José Augusto de Araújo, professor nascido em Cruzeiro do Sul e pertencente ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Com grande apoio do movimento estudantil, José Augusto venceu em 1962.
O mandato e o golpe
O primeiro governador eleito pelo povo do Acre tomou posse em março de 1963, mas teve pouco tempo para exercer. O mandato foi interrompido e cassado em maio de 1964, com o golpe liderado pelo militar Edgard Pereira de Cerqueira Filho, comandante da 4ª Companhia de Fronteira. Fato testemunhado por Maria Lúcia de Araújo, viúva de José Augusto.
Mesmo com toda a pressão vivida, as angústias encaradas com o filho pequeno e na segunda gravidez, a família não se rendeu. Maria Lúcia entrou no cenário político. Candidata, entre o sétimo e o oitavo mês, fez campanha por meio de uma carta em que contava sobre o que passava a família e como estava o estado de saúde do governador eleito pelo povo e deposto pelo regime militar.
Apenas com esta carta, Maria Lúcia se elegeu no estado deputada federal em 1968. A câmara federal reunia 513 deputados. Apenas ela e outras quatro mulheres haviam conseguido o feito. Não durou muito, por não admitir oposição, os militares do partido da Arena, favoráveis ao regime, ordenaram cassação desses mandatos.
Aos 79 anos, Maria Lúcia narra os sonhos do marido se tornando reais hoje: “Essa saída para o pacífico [a Rodovia Interoceânica] estava no plano de governo dele já naquele momento, em 1962, imagina. Porque ele via como alternativa de desenvolvimento econômico”, conta.
“Ele queria fazer tudo de melhor, o que pensava queria fazer. Naquele tempo, queria um hospital no estado que atendesse toda a Amazônia, que fosse um hospital-escola para residentes, cada especialidade médica teria alguém que seria referência”, prossegue.
“Até mesmo as estradas abertas integrando os municípios. Tenho foto dele diante de uma placa mostrando a rota de Rio Branco a Thaumaturgo”, conta.
José Augusto faleceu em 1971, após o quarto infarto, exaustivamente submetido a responder processos acionados pela Auditoria Militar do regime em Belém (PA).
A cassação foi reparada em junho deste ano, durante sessão solene na Assembleia Legislativa do Acre que reconheceu o mandato. “Como eu disse naquela ocasião, digo que não devolveram o mandato a José Augusto, mas ao povo, pois foi a população que o elegeu”, conclui.