Combate à violência contra mulher é fortalecido no Acre e ganha reforço de uma promotoria
Um casamento maravilhoso, um marido que ajudava nas tarefas de casa, um pai presente e cuidadoso, um companheiro que era exemplo para os amigos. Ricardo* e Bruna* estavam casados há oito anos e têm uma filha de seis. Viviam felizes na casa que construíram juntos. Há cinco meses essa narrativa que lembra os contos de fadas mudou e o enredo caminha para um filme policial. Agora, o final feliz está cada vez mais distante desta história que se repete todos os dias, com milhares de mulheres em todo o Brasil.
O marido amoroso tornou-se uma pessoa violenta e perseguidora. As noites de sono tranquilas de Bruna não existem mais. Hoje ela é uma pessoa que não faz idéia de como será o dia de amanhã. A felicidade deu lugar ao medo e agora ela é prisioneira na própria vida. Procurar a Delegacia Especializada da Mulher e denunciar a situação em que vive parece ser a melhor saída, mas as ameaças constantes para que ela não tome essa atitude a impedem de tentar por um ponto final neste enredo.
"Nos separamos quando ele arranjou umas amizades erradas e mudou completamente. Ele é outra pessoa, ninguém reconhece mais. Passou a sair pras noitadas e não me dava o direito de reclamar. Na primeira vez que me bateu, discutimos por telefone. Ele desligou na minha cara dizendo que sabia o que eu queria. Chegou em casa me batendo, de uma hora pra outra, sem me dar chance de reagir. Apesar da separação e de já ter outra, ele me tem como mulher dele, não me quer na rua, não posso fazer nada e ele vive me ameaçando", disse Bruna.
Bruna é amiga de Letícia*, de 21 anos, que já viveu este pesadelo, mas não tem, até hoje, um coração tranquilo. Ronaldo*, o marido agressor de Letícia, está preso por envolvimento em outros crimes e os dias de paz são contados, a espera da hora em que ele será posto em liberdade. Ele ainda não sabe que a mulher o denunciou seis vezes na DEAM e acredita que a relação dos dois está normal.
"Eu incentivo a Bruna a denunciar a situação, pois só assim essa tormenta acaba, mas é uma decisão muito difícil porque ele ameaça matar se for denunciado. Eu também estou na mira dele, porque ele sabe que já denunciei meu marido e não admito viver sob agressões. Eu tenho medo de chegar a casa dela e não encontra-la viva. Da última vez ele não a matou porque eu me meti na briga gritando pelo amor de Deus", diz Letícia.
A incerteza do amanhã
Letícia não teve medo de denunciar as agressões, mesmo tendo a mãe contra esta atitude, por medo da reação do genro. Foram seis boletins de ocorrência registrados na Delegacia da Mulher. A relação de dois anos, para ela, acabou. Para ele, não. Letícia vai à penitenciária com certa frequência levar a filha, de menos de dois anos, para ver o pai. "Quando ele me vê diz que tudo vai ficar bem e fala como se nada tivesse acontecido. Ainda nem sabe que tem seis boletins registrados contra ele e tenho medo da hora que souber, mas eu não podia apanhar calada. Agora quero encontrar um emprego pra ter condições de sair da casa da minha mãe e morar longe daqui, onde a família dele toda mora", planeja.
Hoje a vida está bem melhor, mas essa tranquilidade não é suficiente para que Letícia pare de pensar em como será o amanhã, quando o ex-marido estiver solto. "Ele era um ótimo marido e sempre cuidou muito bem da nossa filha. Os dois são muito apegados. Mas as amizades que arrumou de uma hora pra outra o fizeram mudar".
MPE instala Promotoria para integrar rede de assistência
Agora o combate à violência contra a mulher ganhou um novo endereço: Travessa Roraima, 96, na Promotoria de Promotoria de Combate a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Mais uma porta se abre para acolher as vítimas de violência. O local é discreto, como deve ser, e conta com uma brinquedoteca para entreter as crianças enquanto as mães são atendidas. A equipe de atendimento tem, além da promotora, psicólogos, assistente social e jurídico.
A promotoria foi criada com base na Lei Maria da Penha, que estabelece vários mecanismos de efetivação dos direitos, e este é um deles. A idéia, segundo a promotora, é trazer um novo gás para a Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência. "A rede existe, mas a engrenagem não consegue funcionar tão engrenada assim. E não queremos prestar às vítimas o mesmo atendimento que elas já recebem na Delegacia e na Vara. Queremos fazer algo diferente", comenta a promotora Marcela Cristina Osório.
E fazer diferente significa arregaçar as mangas e levar a promotoria para os bairros, fazendo trabalho preventivo e de empoderamento das mulheres através do conhecimento e da emancipação. "Nosso objetivo é encontrar as mulheres através das associações de bairros e outros meios. Vamos começar por onde as estatísticas apontam maior índice de violência, como no Montanhês e Vila do V. Uma das estratégias para chegar até as mulheres que são ou podem ser vítimas da violência será a comunicação. Outra ferramenta é a pesquisa de campo que será feita através da equipe de psicologia.
"Nós queremos trabalhar também com os homens, que são os causadores da violência. Outro projeto é ter as Promotoras Legais, mulheres capacitadas para prestar assistência jurídica inicial nos bairros. Esse trabalho preventivo será o foco das nossas ações", disse a promotora.
A fragilidade que faz retirar a queixa
Registrar queixa na Delegacia da Mulher contra o companheiro, uma, duas, oito vezes, e desistir de todo o inquérito é uma realidade triste, porém recorrente. Mas, o que leva uma mulher a romper a barreira do silêncio – o passo mais difícil – e voltar atrás na decisão tomada, muitas vezes, de forma tão dolorosa? Para a psicóloga da Promotoria de Combate a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Luciana de Carvalho Rocha, a dificuldade está em romper o ciclo de violência e aí muitos fatores entram no jogo: os filhos, a dependência financeira e muitas vezes emocional do companheiro, a moradia. Em geral o homem não quer sair de casa ou a mulher não consegue manter as despesas do lar sozinha.
A psicóloga afirma que uma solução seria o fortalecimento emocional da mulher através da emancipação. E neste momento o papel da rede de combate e assistência é fundamental, pois ela proporciona a capacitação através de cursos profissionalizantes, onde a mulher se torna capaz de ganhar o próprio dinheiro e recupera sua auto-estima por meio dos atendimentos que passa a ter acesso.
O atendimento às vítimas realizado nas delegacias é fundamental, mas para que a pessoa que procura a unidade seja melhor atendida, ela é encaminhada à Rede de Atendimento à Mulher Vítima de Violência, que é composta por vários órgãos e entidades. É um trabalho integrado que visa o bem-estar da vítima.
"Nós formamos uma rede e essa integração acontece todos os dias. Muitas mulheres são encaminhadas para atendimento na Casa Rosa Mulher para uma orientação jurídica, contato com a psicóloga, um curso profissionalizante", explicou Graça Lopes, da Coordenadoria Municipal da Mulher.
Perfil do agressor
Muitas vítimas dizem que os agressores são bons maridos e bons pais, mas se tornam violentos ao ingerir bebidas alcoólicas ou entorpecentes. Em geral os agressores são usuários de drogas ou álcool, têm entre 20 e 40 anos. Muitos não têm emprego estável, mas a violência não está restrita à classe mais baixa. Há tempos ela ultrapassou os muros das classes média e alta. Em geral eles são considerados bons maridos e bons pais pelas vítimas, mas são agressivos, principalmente sob o efeito de bebidas ou drogas. Outra característica é que os agressores nem sempre são companheiros de anos de convivência. Muitas vezes a violência é fruto de uma relação que acabou de começar.
Sinais da agressão:
- Demonstração de grande tristeza ou depressão
- Mulher fica mais fechada e passa a falar menos
- As conversas sobre o cotidiano também desaparecem, incluindo assuntos que não têm ligação com o relacionamento
- Repentinamente deixa de ter vida social
- Evita visitas e também a companhia de amigos e parentes
- Sua aparência torna-se mais desleixada, deixa de arrumar ou de se maquiar
As ausências no trabalho tornam-se mais frequentes
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Se você é mulher, está vivendo uma situação de violência e quer romper com o silêncio, disque 180 de qualquer lugar do Brasil. A ligação é gratuita e o serviço faz parte da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República. Funciona todos os dias, inclusive domingos e feriados.
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Onde encontrar ajuda
Promotoria de Combate a Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher – Travessa Roraima, 96, Capoeira, (fica no Parque da Maternidade).
Delegacia da Mulher – Via Chico Mendes. Contato: 3221 2241 ou 3221 4799.
Casa Abrigo Mãe da Mata – É uma casa de abrigo para mulheres em situação de risco. Seu endereço é preservado e as mulheres que necessitam de amparo são encaminhadas através da rede de assistência. Se necessário, você será encaminhada para lá.
(Os nomes das vítimas foram trocados para preservar a imagem e a segurança dos entrevistados)