Foi com essa declaração que Carla (nome fictício) começou a falar sobre a agressão sofrida durante o tempo em que esteve casada. Nunca imaginou que um dia poderia estar nas estatísticas de violência contra a mulher. “Namoramos um ano e nos casamos. Eu tinha 21 anos. Logo viemos para Rio Branco, pois como ele é policial federal, foi transferido. Deixei a casa dos meus pais, meu emprego, meus amigos, minha vida para acompanhá-lo. Só que em menos de um ano de casamento ele começou a me agredir. Me batia, dizia que eu não prestava, que tinha me relacionado com outros homens antes dele e eu tinha que ser só dele”, lembra Carla.
“Passei seis anos sendo agredida de todas as formas possíveis, mas eu achava que a culpa era minha. Ele dizia que a culpa era minha. Era muito difícil porque ele bebia e quando isso ocorria, me batia. Eu não procurava ajuda. Achava que tinha que esconder isso”, continua.
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A lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, que está completando sete anos, foi uma conquista para as mulheres, já que surgiu como forma de prevenir e também de dar assistência e proteção às vítimas de violência doméstica e familiar, assim como penalizar aqueles que cometem tal crime.
Segundo a juíza da Vara deViolência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Shirlei de Oliveira Hage Menezes, desde a implementação, em 2006, para cá, o que mudou foi a conscientização das mulheres. “As mulheres começaram a ter mais coragem de buscar os seus direitos, de buscar proteção. A violência, infelizmente, sempre existiu e é crescente. É algo difícil de conseguirmos diminuir, mas é o que estamos tentando fazer”, disse.
Para a titular da Secretaria Estadual de Políticas para as Mulheres (SEPMulheres), Concita Maia, só as denúncias podem ajudar na efetividade da lei. “A Justiça só pode agir se a mulher denunciar. Atualmente no Acre temos a Reviva, uma rede de cuidados no enfrentamento à violência contra a mulher em uma parceria com vários órgãos e instituições, mas nada pode ser feito se não houver denúncia. E graças a Deus as mulheres confiam na Lei Maria da Penha”, salienta.
De acordo com a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), Juliana Carvalho, homens e mulheres sabem que a lei existe. “Muita gente diz que os casos aumentaram, mas acredito que as denúncias é que aumentaram. Infelizmente a violência contra a mulher sempre existiu, o que não existia era a busca pela punição do agressor e os números mostram que a mulher quer denunciar a agressão sofrida”, explicou a delegada.
No caso de Carla, ela chegou a fazer uma denúncia para o chefe do marido, mas nada aconteceu. Só tomou coragem novamente para denunciar as agressões depois que teve sua filha. “Quando eu estava no terceiro mês de gestação ele me bateu durante toda a madrugada e eu implorei para que me levasse a maternidade, mas ele não levou e ainda disse que queria me ver morta. Esperei deitada no chão o dia seguinte para ir ao médico. Tomei a decisão de denunciar quando ele, bêbado, me viu amamentando minha filha, me bateu, arrancou a menina dos meu braços e ficou levantando a criança recém-nascida como se fosse uma boneca. Se eu não denunciasse, ele mataria a mim. Um mês depois ele recebeu um oficial de justiça com a medida protetiva. Mesmo sendo um policial federal, teve que acatar a Lei Maria da Penha. Se não fosse isso, com certeza eu estaria morta”, relembrou Carla.
A juíza Shirlei pretende fazer com que as medidas protetivas tenham efeito rápido. “Os homens precisam sentir medo e têm que saber que se não cumprirem a medida que determina que o agressor se mantenha à distância da vítima, podem ser presos”, explica a Juíza.
Hoje, Carla está divorciada. O ex-marido foi transferido para outro estado. Mesmo durante os anos de agressão conseguiu estudar, passar no vestibular, concluir o curso de Direito e passar em um concurso público. Desde que se divorciou faz acompanhamento psicológico na Casa Rosa Mulher e é enfática ao dizer que a Lei Maria da Penha salvou a vida dela. “Eu peço que todos os juízes olhem com severidade e determinação para a violência contra as mulheres expedindo, o mais rápido possível, a medida protetiva. Ela salva vidas. Salvou a minha e da minha filha”, desbafou.
Dados
Segundo dados atualizados do Mapa da Violência 2012: Homicídio de Mulheres no Brasil, é principalmente no ambiente doméstico que ocorrem as situações de violência contra a mulher. A taxa de ocorrência no ambiente doméstico é 71,8%, enquanto em vias públicas é 15,6%.
A violência física contra a mulher é predominante (44,2%), seguida da psicológica (20,8%) e da sexual (12,2%). No caso das vítimas que têm entre 20 e 50 anos de idade, o parceiro é o principal agente da violência física. Já nos casos em que as vítimas têm até nove anos de idade e a partir dos 60 anos, os pais e filhos são, respectivamente, os principais agressores, de acordo com dados do Mapa da Violência.
Os dados no Acre demonstram a queda no número de homicídios de mulheres de 2009 a 2013 e, ao mesmo tempo, o crescimento do número de inquéritos policiais instaurados na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Rio Branco.
De acordo com a secretária da SEPMulheres é possível defender a hipótese de que estes dados estão correlacionados, uma vez que, ao denunciar seu agressor, a mulher pode acessar as medidas protetivas de urgência, entre elas o abrigo temporário destinado às mulheres que estão em risco iminente de morte, entre outras. “A denúncia dá início, também, ao processo judicial para a punição do agressor e inserção dele em programas de reflexão e responsabilização, como o Ser Homem, executado pela Sejudh. O aumento do número de denúncias é, provavelmente, resultado das diversas políticas que vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos de divulgação da Lei Maria da Penha e incentivo às mulheres a realizarem a denúncia”, conclui Concita.
Lei Maria da Penha
Criada há seis anos, a Lei 11.340/2006 cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de promover a discriminação contra as mulheres, prevenir, punir agressores e erradicar a violência.
A lei é chamada de Lei Maria da Penha em homenagem a ativista que, em 1983, por duas vezes, sofreu tentativa de assassinato por parte do então marido. Na primeira vez, por arma de fogo e, na segunda, por eletrocussão e afogamento. As tentativas de homicídio resultaram em lesões irreversíveis à sua saúde, como paraplegia e outras sequelas. Atualmente, ela recebe aposentadoria por invalidez do INSS.
A Lei Maria da Penha – sancionada em 7 de agosto de 2006 – é reconhecida pelas Nações Unidas como uma das três melhores legislações no mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.
Central de Atendimento à Mulher
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública que orienta as mulheres em situação de violência sobre seus direitos, com o intuito de prestar acolhida nessas situações e prestar informações sobre onde podem recorrer caso sofram algum tipo de violência. O atendimento funciona 24 horas, todos os dias da semana, inclusive finais de semana e feriados. São aceitas ligações de celular pré-pago mesmo sem crédito/recarga.