Borracha acreana é utilizada em sapato orgânico na França

Folha líquida defumada (FDL) agregou valor ao látex e melhorou a qualidade de vida do seringueiro

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"A minha vida é cortar seringa, é o que eu gosto de fazer", revelou Pajoca que havia trocado a seringa pela motoserra.

Pajoca, como é conhecido o seringueiro João Batista de Araújo, começou a cortar seringa aos 8 anos. Abandonou a cabrita e as tijelas alguns anos depois e comprou uma moto-serra, apesar da paixão pela vida de seringueiro. Essa mesma paixão o fez reabrir as velhas estradas de seringa para apostar num processo novo de produção de látex, que agrega mais valor ao quilo da borracha e promete melhorar a qualidade de vida dos seringueiros: a Folha Defumada Líquida (FDL), borracha que está sendo usada no processo de fabricação de sapatos orgânicos por uma empresa francesa, a Veja.

"Passei um tempo vivendo da moto-serra porque o seringueiro ganhava muito pouco. Nunca sobrava para comprar um motor, um sapato. A FDL exige esforço, porque a gente investe muito tempo nesse processo e não pode abandonar os roçados. Eu já não tenho 20 anos e sinto dificuldades em dar conta de tudo sozinho. Mas a minha vida é cortar seringa, é o que eu gosto de fazer", revelou.

Pajoca é um entre as dezenas de seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes, em Assis Brasil, que assinaram contrato com a Veja – empresa de calçados – para entregar ao todo 10 mil quilos de látex transformado em FDL. A borracha é utilizada nos solados de tênis e botas fabricados exclusivamente com matéria-prima orgânica. O algodão empregado nos calçados é importado de produtores do Pará e os sapatos são vendidos em sete países da Europa a preços que variam entre R$ 150 e R$ 250.

"Uma grande vantagem é que a borracha não é como o arroz e a macaxeira, por exemplo, que a gente precisa ir atrás de quem compre a produção. O seringueiro consegue vender tudo o que ele produzir. É só ter a borracha na mão que a gente vende", disse Pajoca. 

Seringueiros apostam na Folha Defumada Líquida

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De Araújo, presidente da Amopreab, apresenta um dos sapatos da Veja.

O presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista de Assis Brasil (Amopreab), José Rodrigues de Araújo, revela que o contrato com a Veja será renovado em 2009 e o preço pago pelo quilo da FDL será de R$ 7,25. Hoje o valor do quilo é R$ 5,00. "A intenção inicial da empresa era de contratar 20 toneladas de borracha, mas fechamos apenas em 10 mil quilos para não dar um passo maior que as pernas. Agora que os seringueiros estão vendo que este contrato é uma realidade mais pessoas estão se empenhando no processo e devemos aumentar a produção no próximo ano. O Governo do Estado investiu R$ 1 milhão nesse processo e estamos confiantes que vai dar certo", disse.

De Araújo, como é conhecido o presidente da associação, reclama que falta melhorar as condições de transporte da borracha, os ramais que cortam a reserva e contratar uma pessoa encarregada de coordenar o trabalho. Apesar das dificuldades, ele não esconde as expectativas: "Se dependesse da minha vontade toda a população de Assis Brasil ia viver da FDL. Este processo foi a melhor coisa que aconteceu para o seringueiro, a borracha sai pronta para ser processada pela indústria, sem impurezas, e o seringueiro recebe um valor bem melhor pelo que produz", ressaltou.

Os seringueiros tiveram contato com o processo de coagulação da borracha chamado de FDL através de pesquisadores da Universidade de Brasília (UNB), que entraram em contato com a Amopreab e a prefeitura de Assis Brasil demonstrando interesse em desenvolver o projeto no Acre. Os seringueiros compraram a idéia e receberam todo o material necessário para trabalhar com o processo. Em parceria com a Seaprof, os interessados participaram de um curso para aprender as novas técnicas de processamento do látex.

A primeira venda foi intermediada pelos pesquisadores da UNB. "Mas esse não é o papel deles. Depois tivemos contato com uma empresária do Rio de Janeiro, a Bia Saldanha, que acabou intermediando o contrato com a Veja, a empresa de calçados da França", explicou De Araújo. 

Governo investe R$ 1,2 milhão na cadeia produtiva da borracha 

A borracha foi definida como uma das prioridades da cadeia produtiva do Alto Acre, na regional de Assis Brasil, ao lado da castanha e a da fruticultura. Em todo o Estado serão investidos R$ 1,2 milhões com recursos do Programa de Apoio às Populações Tradicionais e Pequenos Produtores, o Pró-Florestania.

O objetivo do programa é apoiar populações tradicionais e agricultores familiares visando melhoria na qualidade de vida com o uso sustentável dos recursos naturais. 

Na área temática de Fomento da Cadeia Produtiva foram apresentados e aprovados 11 projetos relacionados à borracha. O objetivo é a produção e comercialização de borracha na forma de folha defumada liquida nos municípios de Feijó, Marechal Thaumaturgo, Rio Branco, Manoel Urbano, Assis Brasil e Tarauacá. Serão beneficiadas 194 famílias e os recursos serão gastos com material de uso para recolhimento e armazenamento do látex, capacitações para produção de FDL e gestão de negócios.  

"Borracha será o produto mais caro da Amazônia", diz Cosson

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Cosson acredita no potencial da borracha na Amazônia.

A borracha é um dos produtos manejados que não causa nenhum dano ambiental. Além disso, outra grande vantagem, destaca o secretário de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar, Nilton Cosson, é que nunca faltará mercado para a borracha, pois ela é empregada em inúmeros processos industriais.

"Em 20 anos a borracha será o produto mais caro da Amazônia. As estimativas indicam que em no final de 2009 o preço do quilo poderá ser comercializado por R$ 12. Isso vai trazer de volta para a floresta os seringueiros que deixaram de acreditar no potencial do látex e tornar o desmatamento inviável", comentou. 


FDL aumentou o preço pago pela borracha

O látex extraído das seringueiras pode ser transformado em CVP (Cernambi Virgem Prensado), nas folhas defumadas líquidas (FDL) ou utilizado na fábrica de camisinhas. A FDL agregou valor à borracha por não conter impurezas e sair da floresta pronta para ser processada nas indústrias. O seringueiro Raimundo Nonato Lopes dos Santos, 22, nasceu na Reserva Chico Mendes e hoje é um dos grandes produtores de látex. No contrato com a Veja, se comprometeu a entregar meia tonelada de borracha e acredita que vai ultrapassar essa cota até janeiro, quando encerra o contrato.

"Há quatro anos a gente vendia o CVP para um atravessador que pagava R$ 1 por quilo. Hoje nós recebemos R$ 5,00 pela mesma quantidade de borracha e nosso contrato é direto com a empresa. Além da FDL ser melhor de trabalhar a renda é bem maior e no próximo ano este preço vai aumentar para R$ 7,25", comentou.

Pajoca analisa a melhoria da qualidade de vida que já se desenha na vida do seringueiro: "Antes a cada do seringueiro era uma tristeza, fazia pena. Hoje a água chega na pia, tenho uma peladeira de arroz, roçadeira para o capim, promessa de energia elétrica, coisa que espero com muita fé. O preço da borracha melhorou muito, as coisas estão melhorando. Hoje podemos nos considerar quase ricos em vista da situação que vivíamos antes". 

Conheça o processo da FDL

No processo de fabricação da FDL o látex é colhido de forma tradicional. Cada litro de leite é coagulado com dois litros de água e uma medida de ácido Pirolenhoso (APL), proveniente da queima da madeira. Na produção de carvão, o APL é encontrado fartamente e costuma ser descartado pelas indústrias na forma líquida. O látex coagulado descansa em bandejas de plástico por 24 horas, quando atinge o ponto ideal para ser passado pela calandra, um instrumento que ajuda a deixar as folhas de látex na espessura desejada. Depois desta etapa, o passo seguinte é a secagem das folhas.

Os estudos da UnB demonstraram que a borracha resultante do uso dessa técnica é mais flexível e mais resistente que a sintética ou a obtida com a defumação tradicional.

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