Seja superficial

Hellen Lirtêz

No dicionário, superficial é  uma palavra associada a “aquilo que não afunda”, que está sempre por cima, visível e exposto a tudo. A superficialidade traduz uma natureza de adaptação ao óbvio, por sua facilidade e praticidade. Não há erro nisso. Quando não conseguimos comprar uma identidade, é nela, na superfície que nos apoiamos para preencher o formulário.

Grandes artistas como Kurt Cobain, Jean Basquiat, Chester Bennington e Robin Williams perseguiram suas ideologias até o mais profundo de suas almas e isso, em parte, os destruiu. Estes nomes, estas pessoas, expressavam de forma genuína  a diferença em suas músicas, atuações  e quadros. O peso e a cobrança presente em tudo o que acreditavam foi demais para eles. Esse viés artístico traz a  seguinte reflexão para a nossa discussão: os intensos estão doentes, então, como podemos cobrar profundidade diante desta realidade?

A autenticidade atribui qualidade e valor a quem a possui, é algo caro e muito requisitado pelas novas “caras midiáticas” que dominam o grande conglomerado industrial. O YouTube, o Tik Tok, o Whatsapp e, principalmente, o Instagram estão sempre reproduzindo roupas, cortes de cabelos, vocabulários novos. Tudo isso é transformado em mercadoria e, assim, são fabricadas “personalidades por encomenda”. Ao mesmo tempo que essas redes vendem conteúdos diferentes, vendem também ideologias de vida iguais. Essa ilusão televisionada tem como objetivo comercializar a ideia de que podemos ser “nós mesmos” em meio a uma multidão de iguais. Como podem ver, ser autêntico, agora, parece ser um pouco mais barato e fácil, já que está disponível nas lojas de liquidação, atacado e varejo. A vista disso, todos podem ser únicos, claro, dentro desse espectro .

Todos deveriam visitar o Museu do Louvre e contemplar a pintura enigmática da Mona Lisa, mas ela está na França. Todos deveriam ouvir as sinfonias de Beethoven, mas a música clássica “saiu” de moda. Questionei acima a realidade atual, por nos vender superficialidade de forma autêntica. A enxergo como um elefante extremamente pesado, esmagando propósitos e sonhos com seu tamanho e peso, enquanto nós, somos formigas. É evidente, podemos ser quem quisermos, na superfície.

Baseando-se em tudo o que foi dito, não parece totalmente compreensível ser superficial? Afinal, quem está isento da superficialidade? de repetir os mesmos movimentos; de cultivar  os mesmos hábitos; de ler o que todos leem; de ouvir o que todos ouvem;  de comprar o que  todo mundo compra; de vestir o que todos vestem? Quem? Ninguém. Nós somos repetitivos e  tendemos a continuar neste looping. De certa forma, ser superficial é um privilégio que ainda resta a uma sociedade que está cansada de invenções e perspectivas elaboradas sobre tudo. Nem tudo precisa ser um almanaque.

Você sabia que apenas 10% do oceano foi explorado até hoje? A maior profundidade já alcançada pelo homem foi de 11.000 metros, na Fossa das Marianas (Oceano Pacífico). Se os cientistas quiserem continuar suas descobertas terão que ir mais a fundo, para o que ainda desconhecem. Para mergulhar pelo desconhecido não basta ter apenas coragem, é necessário conhecimento para não se perder no caminho. Onde você pretende chegar com o mergulho e, quando chegar, o que espera encontrar?

Este texto não tem a intenção de sugerir que você seja de fato superficial ou que permaneça na superfície. Pelo contrário, propõe como conclusão o seguinte pensamento: é do seu interesse tornar-se um mergulhador? Se sim, mergulhe. Caso sua vontade seja ficar na praia, debaixo do guarda sol, fique. Não nascemos nadadores, aprendemos a nadar. Antes do mar, conhecemos a margem, sempre. Para quem não sabe nadar, um mergulho custa um afogamento, por isso, a superfície é  aliada dos péssimos nadadores, por permitir-lhes que fiquem em terra firme.

Hellen Lirtêz, jornalista na SOS Amazônia, escritora, autora do livro Poesia Oceana.

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