Tomo um café enquanto rolo a tela do smartphone em busca de algo significativo para começar o dia. Em poucos minutos uma voz melodiosa, reconfortante e afiada, diz: “Tudo é vário, temporário, efêmero”. Era Chico Buarque! O líquido escuro desce grosso, como se eu conseguisse identificar todos os componentes da molécula de cafeína. Está aí o seu bom dia, minha querida!
Em meio ao mundo sem identidade, você se reconhece? O trabalho, a família, o amor e a amizade. Quem somos nós de verdade? Uma máscara para cada ambiente e situação, um personagem para cada indivíduo? Nos perdemos no caminho da evolução?
Identificamos as nossas amarras? Ou já estamos envoltos na densidade dos dias velozes?
Estamos aprendendo a sobreviver em meio a liquidez da rotina e das relações, às buzinas quando se falta apenas alguns segundos para chegar ao trabalho, resistindo à insignificância da atmosfera social, à frieza, à indiferença. Ao frenesi. Absorvendo um conhecimento inútil e egocêntrico. Pronunciando palavras para satisfazer o contexto social, para pagar boletos, para não conquistar inimizades, para não sentir a fúria da mão de quem já é mestre deste grande teatro.
Os seres que não se ajustam ao ambiente e à competição, tendem a desaparecer, é a premissa da teoria Darwinista sobre a seleção natural das espécies. Em contexto social, se tratando de seres complexos, estamos sendo devorados por aqueles que já se adaptaram.
Concordamos para evitar conflitos, guardamos palavras, e nos sufocamos por não poder ser. Para quem já se adaptou, a vida segue normal, é indiferente, não há sentimento, revolta ou tristeza. Entretanto, os seres que ainda não suprimiram a sua capacidade humana de sentir, padecem.
Em contexto humano, a seleção natural das espécies é mais demorada, cruel e acontece em doses homeopáticas, consumindo a saúde física e mental. Não há um golpe fatal, um dente na jugular, não há morte imediata, ela acontece lentamente, gota a gota, durante dias, meses e anos.
Muito se fala em evolução, de que a nossa sociedade precisa evoluir, mas para que lado? Por exemplo, durante os períodos críticos da pandemia só houve dedos apontados. Entre milhões de ações, poucas foram as que fizeram diferença na vida de quem sentia o sofrimento de perto, de quem passou fome, de quem não tinha um teto para se isolar e se proteger do vírus.
O medo transformou muitos em máquinas robóticas, por não saberem reconhecer que, naquele momento, o que se precisava mesmo era de amor incondicional à vida, ao outro.
Retornamos à convivência social, esta tornou-se um pouco mais esmagadora e sufocante. Um pequeno ser vivo acuou um mundo inteiro. Como somos frágeis e insignificantes, não é?
Os sentimentais seguem “morrendo na contramão atrapalhando o tráfego”.
Mas e aí, vai querer café ou chá?
Taís Nascimento é formada em Letras Português pela Universidade Federal do Acre e assessora de comunicação na Secretaria de Estado de Saúde do Acre. Gosta de chuva, mato e café.