A criança passa grande parte de sua vida na escola. É nela em que ocorre, de forma significativa, o desenvolvimento social e intelectual desde o início da infância até a adolescência. Assim como um local de proteção, a priori, o ambiente escolar também acaba sendo palco de confrontos, o que poderia ser algo até saudável por proporcionar o vital exercício de lidar com o contraditório, se o duelo, na maioria das vezes, não se tornasse implicância, exclusão e deboche.
Agressões verbais, físicas e psicológicas que humilham, intimidam e traumatizam, colocando do lado mais frágil do ringue alguém que silencia por insegurança, vergonha e medo, sempre na esperança de que os ataques cessem. Essa prática tem um nome bastante conhecido: bullying –, verbete em inglês adquirido há tempos no dicionário nacional pela insistência em se pronunciar nas escolas brasileiras.
Com a inclusão digital e as pessoas cada vez mais conectadas à internet, o fenômeno naturalmente ganhou o ambiente virtual e virou cyberbullying. Com a pandemia dando mais ascensão ao mundo virtual, crianças ainda mais jovens passaram a se conectar a tecnologia, mergulhadas no ambiente on-line escolar, o que disparou, inclusive, um sinal de alerta da Organização das Nações Unidas (ONU), chamando atenção de pais, professores e alunos para o risco de um cyberbullying ocorrer ao seu lado, ainda que na surdina e de forma sutil.
Em tempos de educação a distância (EaD), em que carteiras escolares se transformaram no sofá de casa, as videoaulas forçaram escola e familiares a se adaptarem às novas tecnologias e à perda da privacidade. Nessa perspectiva, quase como um divisor de águas, também trouxe o particular da sala de aula para dentro de casa, permitindo que os pais pudessem avaliar também o avaliador e a rotina diária das aulas.
O bullying geralmente ocorre entre pares (entre colegas de escola, de faculdade, de trabalho etc.). E quando é um professor praticando bullying contra um aluno? Situação que nos faz refletir sobre o papel da escola em relação à prática do bullying. Parece algo até impossível de se cogitar, mas acreditem, acontece, nem sempre na surdina, disfarçado, como pensamos. Basta um olhar mais atento para perceber que aparentemente o que parecia ser “algo inofensivo” é na verdade um padrão de conduta, enraizado num diferencial de poder, que humilha e fere.
Situação semelhante aconteceu comigo dias atrás, com meu filho. Sou jornalista há mais de dez anos, já me deparei com diversas situações na profissão, mas nenhuma delas me comove ou me revolta tanto quanto as que envolvem algum tipo de agressão, preconceito e violência contra criança. Alguns pais para não expor seus filhos preferem silenciar, se manter no anonimato. Eu prefiro falar, não para expor a escola em questão, como não o fiz em nenhum momento, porque entendo que a conduta de um único profissional não condiz com a de uma escola inteira, tampouco expor o meu filho, mas para atentar a um problema que existe e que, mesmo dentro de casa, não estamos imunes de sofrer.
Como mãe e formadora de opinião, jamais deixaria isso passar em branco, me eximindo de levar ao centro dos debates um tema tão sério, como o que presenciei em uma aula on-line. Quando ouvimos falar sobre professores praticando bullying – justamente quem deveria exatamente fazer o contrário e evitar tal situação – o sentimento de impotência se torna ainda maior.
É chocante sofrer bullying e tão chocante quanto é presenciá-lo. Quando me dei conta do que estava acontecendo, me retirei da sala e, como qualquer outra mãe, chorei. Foi um choro de consternação, de querer proteger. A tenra idade do meu filho não o fez perceber como estava sendo tratado diferente do coleguinha também presente em aula, mas eu percebi e não deixaria passar despercebido. Depois de me recompor, claro que fiz o que naquele momento era sensato ser feito: levei o caso à direção da escola. Se eles vão resolver não sei, mas estou aqui, caros leitores, despertando olhares de que muitas arestas ainda precisam ser aparadas no campo das injustiças, uma delas são as sem defesa, mas que cabe a nós, enquanto sociedade, buscar, lutar e impulsionar as mudanças.
Lane Valle é jornalista da Secretaria de Estado de Saúde