Histórias de esperança pela autonomia de um povo que insistiu em ser brasileiro defendendo a democracia como instrumento de emancipação
Confiar num Acre altaneiro
Novo estado do Brasil
É prestigiar uma terra
Forte, pujante e viril;
No Acre sendo Estado
Teremos força e valor,
E honraremos seu passado,
Com um futuro promissor.
(Canção Autonomista; Letra: Edson Martins e Omar Sabino; Música: Oscar Paiva)
A história do "Acre Estado" revela esse cântico ao trazer à memória que na manhã do dia 8 de maio de 1964 apenas começava quando o DC-3 "Dim Araújo" prefixo PT-BU aguardava no aeroporto de Rio Branco a chegada do casal que estava sendo coagido a deixar o Acre. Eram cerca de 8h.
Partiram José Augusto de Araújo e Maria Lúcia, o governador perseguido e cassado pela ditadura que se implantava em todo o Brasil. Augusto foi o primeiro governador eleito pela vontade do povo tão logo os autonomistas venceram a luta pelo Acre Estado, mas acabou derrubado pelo Golpe Militar de 1964 numa operação tão sombria que só muito tempo depois foi chegar ao conhecimento dos generais do movimento – e pelas próprias mãos do governador, num relatório dirigido a um oficial carioca.
"O que José Augusto garantia e o povo tinha confiança nisso é que ele faria do Acre um Estado modelo para a Federação", lembra Maria Lúcia. Augusto ganhou de presente uma caneta de ouro do Movimento "A Voz do Povo", de Cruzeiro do Sul, com o qual assinou sua posse. A população fez uma cota para arrecadar o valor da caneta, fabricada no Rio de Janeiro especialmente para o governador. Em outra demonstração de apreço popular, as irmãs do Colégio São José confeccionaram a Faixa Governamental que Augusto usou na posse. Tanto a caneta quanto a Faixa foram doadas para a Universidade Federal do Acre.
José Augusto partiu no avião batizado de Dim Araújo que comprara para o serviço do Governo, a primeira aeronave própria do Estado. Seu governo não pensava só o presente, mas fundamentalmente via o Acre no futuro, uma região desenvolvida, próspera e feliz.
A trajetória de governador foi brutalmente interrompida e sua vida, ceifada pela doença que se agravou ao sair do Acre, foi marcada de amor: "ele amava muito o povo acreano e dizia para mim: vou trabalhar, não vou decepcionar meu povo".
Longo processo – A luta pela autonomia e elevação do Acre à condição de Estado foi um processo que durou décadas e, conforme lembra o historiador Gerson Albuquerque, coordenador do Centro de Documentação e Informação Histórica (CDIH) da Universidade Federal do Acre (Ufac) teve diferentes fases e personagens – "de Mâncio Lima a Omar Sabino", cita. Gerações, portanto, queriam experimentar o sentimento de liberdade que começou de modo latente com a Insurreição Acreana.
{xtypo_quote_left}"O que José Augusto garantia e o povo tinha confiança nisso é que ele faria do Acre um Estado modelo para a Federação"{/xtypo_quote_left}O autonomista Omar Sabino credita à juventude do fim da década de 50 a criação do Movimento Autonomista. Os estudantes exigiam a implantação do Ensino Superior no Acre e isso criou um ambiente de contestação próprio do contexto acadêmico e acabou se espalhando na sociedade local. A grande aspiração dos jovens, diz Sabino, então secretário-geral do Comitê Pró-Autonomia do Acre, era que, fazendo com que o Território passasse à condição de Estado, a educação de terceiro grau viesse em seguida. "Entre outras coisas, além da universidade, o Movimento aspirava também à titulação das terras do Acre", relata o ex-aluno do centro de estudos universitários, unidade que mais tarde seria federalizada passando a se chamar Universidade Federal do Acre, a Ufac.
De acordo com Sabino, a boa parte dos autonomistas era de jovens de 15 a 20 anos. O historiador Marcus Vinicius, presidente da Fundação Garibaldi Brasil, de Rio Branco, diz que as mulheres tiveram presença marcante e que os grupos estabelecidos foram os artífices do processo.
{xtypo_quote_right}"O Movimento Autonomista se caracterizou pelo civismo acima de tudo"{/xtypo_quote_right}Em 1904, a União transforma o Acre em Território Federal. A criação do sistema de territórios federais manteve o Acre numa condição que boa parte de sua população lutava contra. A partir de 1962, foi extinto o Território Federal do Acre e criado o Estado do Acre. Até então, o Acre, mesmo tendo conquistado sem apoio do governo federal o direito de ser Brasil, ainda não tinha recebido o prêmio merecido: a garantia de elaborar sua própria Constituição e muito menos eleger seus governantes.
Jango e a emancipação acreana – Com a renúncia de Jânio Quadros da Presidência da República e a presença de um presidente com evidentes linhas de atuação com o pensamento de esquerda, como era João Goulart, o processo de autonomia do Acre ganhou, no plano nacional, o contexto político que faltava. Em 15 de junho de 1962, o Presidente da República, João Goulart, assina a Lei 4.070 e o Acre começa a viver um novo tempo em sua história.
O apoio da UDN e dos seringalistas
O projeto de implantação da Faculdade de Direito tramitava bem no Governo Federal, mas chegou um momento em que foi rejeitado sob alegação de que o Acre era ainda Território Federal e não reuniu condições para ter o ensino superior. A autonomia política levou o Estado a ter, poucos anos depois da lei de Goulart, duas escolas universitárias, de Direito e Economia.
Para vencer o grupo contrário à autonomia encabeçado, entre outros, por Oscar Passos, o apoio da União Democrática Nacional, a UDN, foi estratégico. Os estudantes da época usaram de todos os meios de comunicação disponíveis, especialmente o rádio e os jornais impressos, para difundir a idéia da autonomia. Esse trabalho conquistou a simpatia de alguns seringalistas que ainda compunham a elite econômica daquele tempo. "O Movimento Autonomista se caracterizou pelo civismo acima de tudo", disse Omar Sabino.
Decreto oficializa 15 de junho como Dia da Troca de Bandeira
Neste domingo, 15 de junho, o Acre completa 46 anos de autonomia política e administrativa. A data é uma das mais importantes da história do Estado, junto com o 6 de Agosto, início da Revolução Acreana.
A data será comemorada, entre outras atividades, com a cerimônia de troca da bandeira do Acre no Calçadão da Gameleira com a presença das principais autoridades do Estado. O governador Binho Marques assina o decreto que institui 15 de junho como data oficial da Troca da Bandeira.
A história jurídica da autonomia começou muito antes. Em 1934, o Acre ganha o direito de eleger parlamentares federais e em 1957 o deputado federal José Guiomard Santos apresenta o projeto de lei de elevação do Acre a Estado, aprovado e em 15 de junho de 1962. O projeto contava com muitos adeptos, mas havia fortes opositores como Oscar Passos, do PTB.