Um estudo hidrológico recente, produzido por engenheiros, técnicos e pesquisadores com apoio e participação do governo do Estado, afirma que o Rio Acre se inclui entre os “rios nervosos” da Amazônia, dada a enorme oscilação do nível das águas entre as estações de inverno (novembro a abril) e verão (maio a outubro). O documento acrescenta que fatores diversos vêm acarretando alagações e secas cada vez mais intensas. Em 2015, o nível do rio atingiu ponto extremo em Rio Branco (18,40m), registrando alagação histórica na capital; mas antes que findasse o ano a seca exibiu suas costelas no coração da cidade.
Nestes dias de julho de 2016, quando mal começa a estiagem, a medição em Rio Branco (1,52m) é a mais baixa em 40 anos. Como é triste ver a decrepitude do histórico rio que comanda a vida do estado desde Assis Brasil, na fronteira com o Peru (onde nasce), até Porto Acre, nos limites com o Estado do Amazonas, desembocando no Purus. Cantado em prosa e verso desde meados do século 19, quando se iniciou a aventura da borracha, passando por momentos épicos em repetidas insurreições contra a Bolívia no limiar do século 20, o Rio Acre agora agoniza.
O documento a que me referi está publicado numa Edição Especial de 100 páginas da revista “Acre Engenharia”, uma publicação bimestral do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Acre, que junta artigos técnicos e científicos atuais e outros já publicados em cinco edições anteriores.
Trata-se de um trabalho que revela vontades ecológica, técnica e política de resolver uma questão ambiental que já assusta a população acreana.
A equipe que realizou o estudo junta pessoas e siglas – umas conhecidas, outras nem tanto –, sob a coordenação da doutora Vera Lúcia Reis, bióloga, diretora técnica do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC).
Assinam o relatório: Amilcar Adamy, geólogo da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) – Serviço Geológico do Brasil; Wladimir Ribeiro Gomes, técnico em Hidrologia (CPRM); Paulo Henrique de Araújo Lima, gestor ambiental; José Roberto Campos da Veiga, engenheiro mecânico da Federação Nacional dos Engenheiros (FNE); Franco Turco Buffom, engenheiro hidrólogo (CPRM); Tenente-Coronel James Bezerra Gomes, matemático (CBMAC); Nadir de Souza Dantas, bióloga Secretaria do Meio Ambiente do Acre (Sema); Pedro Ferreira de Oliveira, engenheiro florestal da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec); Dra. Cristina Santos Strava Correa, engenheira civil do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam); Maria Antônia Zabala de Almeida Nobre, geógrafa (Sema); Mavi de Souza, engenheira agrônoma (Sema) e João de Deus Oliveira de Azevedo, engenheiro agrônomo do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Acre (Senge/AC).
A turma, acompanhada de mais 15 colaboradores (jornalistas, pescadores, cozinheira, policial civil, auxiliares de campo, bombeiros e condutores de embarcação), percorreu em maio deste ano os 1.190 quilômetros de extensão do sinuoso rio, desde o município de Porto Acre, próximo à embocadura no Rio Purus, até Assis Brasil. Utilizou um barco grande que serviu de base, um rebocador e voadeiras (ou canoas) que permitiram a navegação nas partes mais rasas, principalmente nas cabeceiras.
Com esse trabalho o estado avança no conhecimento da hidrologia, drenagem, vazão e assoreamento do rio, podendo prevenir contra alagações e secas que começam afetar pessoas (das zonas urbanas e rurais) nas cidades e vilas; bem como a produção agrícola, o abastecimento, o transporte, o desenvolvimento, enfim, que se deseja sustentável na região.
Ciência e Tradição
A novidade que se dá nestes tempos difusos, da natureza e das pessoas, é que a ciência e a tradição iniciam um “diálogo entre os saberes”. Ou seja: se por um lado entram em campo os especialistas com modernos estudos técnicos e sofisticados aparelhos de aferimento do solo, águas e nuvens; por outro são ouvidos os “velhos do rio”, com sua vivência secular e memória ancestral do tempo e das margens. Isso cria a possibilidade concreta de acertos na ação contra catástrofes.
No caso do Rio Acre, vale medir a velocidade das formigas que anunciam tempestades na floresta. E a lenta, mas inexorável caminhada de um jabuti que se arrasta barranco acima para se proteger, com tempo, de uma alagação que a ciência não consegue ainda prever.
(Continua)
Elson Martins é jornalista