Vida sustentável na Reserva Chico Mendes – artigo

Cião, 10 anos, se dirigindo para a escola na floresta: coragem e cultura para um novo mundo (Foto: Angela Peres/Secom)
Cião, 10 anos, se dirigindo para a escola na floresta: coragem e cultura para um novo mundo (Foto: Angela Peres/Secom)

Em meados da década de 70, o Acre e sua rica floresta sofreram forte ameaça da pecuária que chegava à região estimulada por créditos bancários e incentivos fiscais oferecidos pela ditadura militar e civil de 64. O modelo bancado na época pelo governo federal permitia o desmatamento e a expulsão de famílias de seringueiros, ribeirinhos e indígenas que viviam nos seringais.

Em menos de uma década, os pecuaristas recém-chegados compraram um terço das terras acreanas, o equivalente a cinco milhões de hectares, e trataram de “limpar” suas áreas recorrendo à violência. Aflitos e desamparados, os extrativistas se organizaram em oito sindicatos com a ajuda da Contag (Confederação Nacional da Agricultura) e da Igreja de D. Moacyr Grechi formando um movimento de resistência.

Assim surgiu o “empate”, modo que eles adotaram para impedir as derrubadas na floresta e a expulsão de famílias que viviam em suas colocações de seringa. Essa luta custou a vida de Wilson Pinheiro, Chico Mendes, Ivair Higino e outros menos conhecidos, mas saiu vitoriosa!

Entre as conquistas alcançadas pelos “povos da floresta” merecem destaque as Reservas Extrativistas, um modelo de reforma agrária que colocou o Acre na direção da florestania. O assassinato de Chico Mendes acelerou a criação das Resexs nos anos 90, em diversos estados brasileiros (cinco estão em território acreano), assegurando a terra para seringueiros e outras categorias extrativistas.

A Reserva Extrativista Chico Mendes completa 26 anos de vida no próximo dia 12 de março. Ela compreende uma área de 970.570 hectares abrangendo 48 seringais em sete municípios: Rio Branco, Sena Madureira, Capixaba, Xapuri, Epitaciolândia, Brasileia e Assis Brasil. A unidade ainda sofre ameaças da pecuária, mas avança com novas atividades sustentáveis.

Os 10 mil moradores da reserva vivem em paz nas antigas colocações, em profunda intimidade com a natureza. Eles reconhecem o valor do bem que conquistaram para filhos e netos. Ao comemorar duas décadas e meia de vida desse bem, já contabilizam conquistas como a fábrica de camisinhas Natex, construída em Xapuri pelo governo; as usinas de beneficiamento da Castanha do Brasil instaladas em Rio Branco, Xapuri e Brasileia; produtos silvestres comercializados pela Cooperacre; a construção de açudes para criação de peixes; projetos de mel de abelhas sem ferrão; abertura de ramais; ensino fundamental para toda a clientela da Resex e atendimento regular de saúde.

Mas o melhor, certamente, ainda está por vir: a ciência e a tecnologia é que vão desenhar o futuro da Resex CM. Quando isso ocorrer, as famílias que ocupam as antigas colocações como concessão de, no mínimo, 300 hectares, de uma das florestas mais ricas do mundo, constituirão uma classe social privilegiada.

As Reservas Extrativistas são geridas pelo Instituto Chico Mendes da Biodiversidade, órgão federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que assumiu responsabilidades anteriormente atribuídas ao Ibama. No Acre, o ICMBio atua em parceria com o governo do estado que envolve diversas secretarias em atividades de conservação e geração de renda.

Vale a pena sonhar com o mundo novo que as novas gerações da floresta poderão construir com sua cultura diferenciada. Um jovem como Cião, de 10 anos, nascido e criado nesse meio, atualmente cursando a terceira série do ensino fundamental, pode não conhecer os hábitos e as preferências consumistas dos jovens da cidade, mas seu conhecimento da natureza é essencial, e sua coragem, testada nas entranhas da mata é, certamente, um fator de mudança.

A sua mente é mais limpa e bela, como diria o poeta João Cabral de Melo Neto, “como um caderno novo quando a gente principia”.

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