No filme Vida Arte Seringueira*, produzido na Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, em Sena Madureira, no Acre, o cineasta Fellipe Lopes ensina, quase intuitivamente, como respeitar o que é sagrado. Sua câmera entra devagar e colorida, com um fundo musical amoroso e cósmico, pisando em cristais, deixando que a própria natureza se revele.
Cazumbá é um legado do líder seringueiro Chico Mendes (assassinado em dezembro de 1988 por uma família de fazendeiros) aos seus irmãos da floresta, para que concluam a construção do seu admirável mundo novo. A reserva de 750 mil hectares é considerada modelo de unidade de conservação na Amazônia. Lá, vivem 360 famílias extrativistas, todas de ex-seringueiros, tecendo harmoniosamente a sustentabilidade.
Gilberto Silva e Raimundo Nonato são dois herdeiros desse legado ouvidos por Fellipe. No discurso de ambos, o que conta é o que aprenderam com seus pais e avós: respeitar e amar a natureza.
“Cresci sob o ruído dos macacos e o assoviar dos pássaros, pra mim isso é vida”, diz Gilberto. “Procuro extrair o látex da seringueira sem ofender a árvore”, conta Raimundo, consciente de que a floresta é o futuro de sua comunidade.
De fato, as reservas extrativistas foram criadas em 1989 para assegurar a permanência das famílias de seringueiros, ribeirinhos e pequenos agricultores nas suas antigas colocações, unidades de produção de borracha natural. É uma história secular que deu origem aos povos da floresta. Com ela, o Acre se tornou referência internacional em ecologia.
Os moradores da Cazumbá-Iracema trabalham com a diversidade amazônica. Produzem artesanato com o látex, coletam castanha-do-brasil, produzem polpa de açaí e criam peixes e animais silvestres. Carregam uma cultura ancestral de convivência com a natureza, festejam a amizade e aprendem coisas da modernidade por um atalho lúdico.
Ou seja: ocorre na reserva o exemplo mais acabado do que se projeta, exercita e sonha para o estado: uma sociedade que se realimente de suas tradições com um pé na modernidade, promovendo o encontro dos saberes tradicionais com o conhecimento científico e a tecnologia. Melhor dizendo: um encontro de saberes entre acadêmicos, seringueiros e indígenas.
O documentário é uma produção independente de Fellipe Lopes, que parte de um objetivo de imersão pessoal na natureza amazônica e na vida de pessoas que crescem na floresta.
O produto final é um ato de compartilhar os ensinamentos da natureza, conectado às pessoas que fazem parte da reserva.
Enfim, a maior vantagem do pequeno grande filme é que Fellipe entrou na reserva Cazumbá-Iracema apto a amar, com os olhos de sua câmera, as belezas acreanas que só se consegue ver com o coração.
* O filme será lançado no Festival Pachamama – Cinema de Fronteira 2015, realizado em Rio Branco de 22 a 28 de novembro. Fellipe é videomaker e documentarista paulista.