Cidade do Povo reorganiza a ocupação urbana de Rio Branco

“Quando o rio começa a encher, a gente já vê esse marzão d’água”, diz Jair (centro), apontando para a área alagada (Foto: Arison Jardim/Secom)
“Quando o rio começa a encher, a gente já vê esse marzão d’água”, diz Jair (centro), apontando para a área alagada (Foto: Arison Jardim/Secom)

A família dos irmãos Jair e Jerry Souza, hoje moradores do bairro Taquari, em Rio Branco, é uma dessas que atravessou a floresta, onde hoje é o município de Capixaba, para terras bolivianas. “Ainda cheguei a cortar seringa com meu pai, lá na Bolívia. Há 16 anos viemos para a capital”, diz Jair. Exemplos da história da ocupação urbana do Acre, os irmãos, a partir de domingo, inauguram um novo ciclo de suas vidas e do estado, seguem para a Cidade, planejada, do Povo, empreendimento idealizado pelo governo federal e governo do Acre, por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”.

As primeiras ocupações urbanas do Acre são consequências da expansão da borracha, no início do século XIX. Às margens dos rios estavam os seringais, que um dia virariam vilas e depois cidades, como é o caso do Seringal Empresa, que passou a Vila da Volta da Empresa, em seguida para a cidade Penápolis (homenagem ao Presidente da República, Afonso Pena), e transformando-se definitivamente em Rio Branco, a capital do estado.

A crise econômica dos seringais e da borracha representou uma fuga para a nova cidade, começando, a partir de 1970, a ocupação desordenada de 150 novos bairros irregulares na capital. A população urbana de Rio Branco, que representava em 1970 apenas 41,1% do município passou para 74,8% em 1980. Outro aspecto do êxodo rural acreano, é a fuga de famílias para a Bolívia, onde continuaram trabalhando na extração da seringa.

“A escola dos meninos vai ser muito mais perto, vai ser tudo mais fácil. Eu digo pra eles, tem que estudar pra ser alguém na vida”, afirma Antonia (Foto: Arison Jardim/Secom)
“A escola dos meninos vai ser muito mais perto, vai ser tudo mais fácil. Eu digo pra eles, tem que estudar pra ser alguém na vida”, afirma Antonia (Foto: Arison Jardim/Secom)

A nova fase da ordenação urbana do estado entregará 10.518 casas e beneficiará mais de 60 mil pessoas com moradia própria. Em maio deste ano, 392 famílias receberam o benefício e no domingo, 29 de junho, serão mais 500, incluindo Jair, sua esposa, sua filha e o irmão Jerry. “É uma ‘bença’ essa casa, nós nem estávamos esperando. Meu irmão tinha que viver aqui nessa casinha”, diz Jair, apontando para um cômodo de três por três metros, que tem ao fundo uma área alagadiça. “Quando o rio começa a encher, a gente já vê esse marzão d’água. Tem inseto, jacaré, e, rapaz, aparece cada sucuri enorme”, conclui. Jair é tutor legal de seu irmão, pois esse sofre problemas psicológicos, e pouco fala com alguém que não seja da família.

A ocupação dos barrancos

Na beira de um igarapé, no Bairro Ayrton Senna, vive Antonia Moreira e seus seis filhos. A família sofre com o medo constante de o chão ceder mais e a casa ter o mesmo fim que a árvore de jenipapo, apontado por Antonia, no fundo, caído na enchente desse ano. “Outro dia mesmo uma menina caiu de cabeça aí nesse barranco, não aconteceu nada de mais grave, graças a Deus”, conta Antonia.

“Quando o vento balança a mangueira, a casa estremece toda. Morro de medo de ela cair e vou dormir na casa da minha avó”, afirma a mãe, segurando o filho mais novo, de sete meses. “Agora nós vamos ter uma vida digna. Já to com as caixas arrumadas ali dentro pra me mudar pra Cidade do Povo”, diz sorridente, Antonia, já pensando no futuro dos meninos: “A escola dos meninos vai ser muito mais perto, vai ser tudo mais fácil. Eu digo pra eles, tem que estudar pra ser alguém na vida”.

“Tenho medo de estar dormindo e a casa cair”, diz a mãe do João Pedro Jr, Dayane Souza, moradora do Bairro Preventório. Mãe e filho vivem em uma casa, à beira de um barranco que margeia o Rio Acre. A pequena casa, que acomoda uma cama, fogão, geladeira e uma televisão, possui um quarto que já cedeu quase um metro. “Se alguém passa aqui e toca na casa, ela treme”, diz Dayane. Durante as cheias anuais do Rio, acelera-se o processo erosivo. Com a grande velocidade da correnteza, crateras se abrem nas margens.

A casa de Dayane, em poucos anos, ou meses, poderia tombar de vez. Mas além da estrutura precária, há ainda a dificuldade do banheiro ser fora da casa, ainda mais para baixo. “Eu, grávida, já caí no banheiro ali atrás, meu filho ficou com a perna presa uma vez de manhã”, relata. Essa realidade, e de outras 3300 famílias de área de risco (primeiras moradoras da Cidade do Povo), já começa a mudar. “Agora pra gente vai ser muito melhor, meu novo filho já vai nascer numa casa boa. Tanto tempo morando aqui, nunca imaginei que fosse existir uma ‘cidade’ assim”, diz esperançosa, Dayane.

A casa de Dayane, no bairro Preventório, segue caindo junto com a margem do rio que cede (Foto: Arison Jardim/Secom)
A casa de Dayane, no bairro Preventório, segue caindo junto com a margem do rio que cede (Foto: Arison Jardim/Secom)

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