56 é maior que 4  –  sobre educação não violenta

Por Elisama Santos*

Ele esqueceu a lancheira na escola. Desde cedo ensinamos a se responsabilizarem pelas próprias coisas, e cuidar dos materiais escolares é responsabilidade deles. Mas, enfim, pela terceira ou quarta vez ele esqueceu. A nossa primeira atitude, quando ele disse que esqueceu, foi dizer: “De novo, Miguel? Essa é a quarta vez!” .

É impressionante como a gente se acostumou a ser arquivo vivo dos erros dos filhos, né? “Você nunca faz como peço!”, “Você perde tudo! Só não perde a cabeça porque tá grudada no pescoço!”, “Seu quarto está sempre uma bagunça!”. A mente humana tem uma tendência de guardar com mais intensidade as informações ruins. Saber do crocodilo no rio é uma informação mais relevante para a sobrevivência que lembrar que a água do mesmo rio é morna e gostosinha. Mas, sabe, os erros dos nossos filhos não são crocodilos no rio. A gente não precisa focar neles e os nossos filhos não precisam crescer observando as próprias falhas com lente de aumento.

Estacionamos na escola e eu falei: “Filho, você esqueceu a lancheira quatro vezes, não foi? E você sabe quantas vezes você lembrou?”

Ele sinalizou “não” com a cabeça.

“Acho que já temos uns 60 dias de aula. Se você esqueceu 4, quer dizer que lembrou 56! Cinquenta e seis, cara! Cê tem noção do quanto isso é muito?”

O sorriso brotou no rosto. Ele já não estava focado no que não conseguia. Nitidamente uma onda de autoconfiança percorreu o corpinho, porque o ânimo era quase palpável.

“56 é muito mais que 4! Humrum! 56 é muito mais que 4! E eu confio que você vai se lembrar de pegar a sua lancheira hoje! Você acredita também?”

“Acho que sim!”

Me abraçou bem forte, deu um beijo gostoso e entrou pra sala. E eu reforcei em mim o compromisso de ser arquivo vivo das boas memórias, de lembrar as capacidades que eles têm, inclusive – e talvez principalmente – quando eles mesmos duvidarem. Porque fortalecer as capacidades é encorajador!

56 é maior que 4. E essa informação é muito mais relevante, no final das contas.

 

*Elisama Santos é psicanalista, escritora, educadora parental e consultora em comunicação consciente, autora de “Por que gritamos” e “Comunicação Não Violenta” e mãe de Miguel e Helena

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