No meio de uma discussão em que os ânimos se alteram, nem sempre é possível ceder ou colocar-se no lugar do outro até que se chegue ao entendimento. Dessa necessidade de mediar conflitos, nasceu o projeto Pacificar, em agosto de 2015, executado pela Secretaria de Segurança Pública (Sesp) junto à Polícia Civil, com a missão de resgatar o diálogo e a boa convivência social.
De fato, nem toda situação conseguiria ser resolvida numa audiência de conciliação e, por esse motivo, o projeto tem foco naquelas menos graves, em que uma conversa pode evitar a provocação de futuras ameaças e que agressões verbais venham a tornar-se físicas.
Em síntese, as ações do Pacificar são de natureza extrajudicial, de modo que as pessoas envolvidas têm autonomia de construir entre elas mesmas a solução para o problema, tendo como ouvinte e testemunha a figura de um mediador. Apenas em casos de descumprimento do acordo pós-conciliação, os interessados devem recorrer ao processo judiciário.
O projeto foi estabelecido mediante resolução conjunta, na qual ficou instituído como artigo 1° que a metodologia se aplica à conciliação e mediação de conflitos interpessoais ou comunitários que se constituem riscos de violência e criminalidade.
Para o secretário adjunto de Integração Social da Sesp, Vanderlei Scherer Thomas, essa metodologia é inovadora por garantir que o diálogo favoreça todas as partes envolvidas: “No meio de uma discussão alguém sempre vai falar mais e outro sempre deixará de ser ouvido. E diante de um processo judicial, até mesmo quem sai com a vantagem final nem sempre fica satisfeito com o resultado. Já numa conciliação, o problema é tratado na sua origem, de modo que todos sejam igualmente ouvidos e cheguem a um consenso”.
Diálogo: a ponte para o entendimento
Aquele dito popular que “o seu direito termina onde começa o meu e vice-versa” nem todos conseguem compreender. Entretanto, é pautado nisso que o projeto Pacificar tem o diálogo como a ferramenta essencial para o reate de vínculos, quebrados outrora pelo desrespeito ao direito do outro.
De acordo com a delegada e coordenadora do projeto, Lúcia Jaccoud, a maioria das situações que chegam para conciliações envolve pessoas que têm algum tipo de relação continuada, como vizinhança e parentesco.
É o caso da aposentada Francisca Martins, 65 anos, que só conseguiu solucionar o problema com o vizinho depois de conhecer o Pacificar. Ela conta que por causa de discussões devido a existência de um pé de coco no terreno ao lado do seu, foram muitas noites de sono perdidas e dias de nervosismo: “Fiquei doente por causa disso, caía muito coco em cima da minha casa, quebrava minhas telhas, eu vivia no prejuízo e a gente não conseguia mais se entender. Depois da conciliação é que finalmente o vizinho resolveu deixar cortar o pé de coco e tive paz de novo”.
Assim como dona Francisca, Raimundo de Souza, 56 anos, e Antônia Galdino, 37, também tiveram problemas resolvidos por meio do Pacificar, um por conta da troca de uma casa, o outro pelo empréstimo de um carro de mão. Situações que parecem corriqueiras, mas que podem gerar desconforto e estresse, e quem sabe até possíveis ameaças.
O que os três casos tiveram em comum foi o fato de o problema se arrastar por anos no âmbito judicial, ao passo que quando chegou à conciliação ganhou celeridade.
A delegada explica: “Dentro do sistema judiciário há uma série de prazos a serem cumpridos, desde o momento em que se registra uma ocorrência na delegacia até reunir provas documentais e testemunhais, para no fim de tudo sair a decisão de procedência ou não, e até lá o processo passa por muita delonga. Já no projeto, a audiência é marcada num tempo bem curto, porque entendemos que quando se trabalha com prevenção não se pode esperar que o pior aconteça, sobretudo quando existem ameaças”.
De todos os casos passíveis de conciliação que chegam às delegacias, 99,9% são solucionados. E o sentimento de quem é beneficiado, seu Raimundo Souza resume: “É de alegria! Porque não tem nada melhor na vida que nossa paz”.
Conquistas do Pacificar
Com o slogan Prevenção, Segurança e Cidadania, desde sua implantação o Pacificar tinha como único endereço fixo para a realização de audiências o edifício sede, localizado na Rua Rui Barbosa, centro de Rio Branco. No início de 2017, o projeto deixou de ser piloto e passou a atender todas regionais de Rio Branco, disponibilizando cinco núcleos nas delegacias e um núcleo na Cidade do Povo.
No momento, todos os núcleos dispõem de um agente de polícia e um conciliador. Tendo em vista que os casos mais comuns são de injúria, difamação, ameaças por dívidas e conflitos de vizinhança, entre outros, nas delegacias já há pessoas preparadas para oferecer o serviço, totalmente gratuito e ágil.
Desde 2015, já se contabilizam mais de 800 processos a menos na esfera judicial e criminal, o equivalente a mais de 3.000 pessoas beneficiadas direta e indiretamente pelo Pacificar. “Assim, são menos processos gerando custos para o Estado, passando pelo Ministério Público e Defensoria Pública, sendo que cada caso é acompanhado depois que se resolve e quase não há reincidência”, acrescenta a coordenadora.
O projeto dispõe de um recurso fruto de convênio no valor de R$ 225.000, que está destinando para os núcleos de conciliação equipamentos eletrônicos e um veículo, cuja a aquisição se encontra em fase final de licitação.
Juntos pela paz
Para a execução do Pacificar, a Sesp e a Polícia Civil contam com o apoio de instituições, como o Ministério Público do Acre e Tribunal de Justiça. Além disso, também há um convênio celebrado com a Faculdade da Amazônia Ocidental para a inclusão de acadêmicos de Direito e Serviço Social como estagiários nas atividades.
“Também é importante destacar a atuação de estagiários cedidos pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran), que vêm nos ajudando a realizar as atividades e se destacando nesse trabalho”, pontua Vanderlei.