O sul-mato-grossense Jaime André Brum veio ao Acre há alguns anos para realizar o sonho de construir um grande empreendimento voltado para a cadeia produtiva do pescado. O anseio era acalentado pelo governador do Estado, Tião Viana, e pelos produtores, principalmente os pequenos, que buscavam formas de se tornarem viáveis economicamente.
Brum contribuiu para que esse sonho se realizasse por meio da Peixes da Amazônia, indústria que já está se tornando referência pela sua moderna concepção técnica, econômica e, principalmente, pela forma inclusiva com que garante aos pequenos produtores uma significativa participação econômica e administrativa no empreendimento.
Casado e pai de dois filhos, o empresário e proprietário de uma das mais importantes empresas do setor, a Projeto Pacu, está se estabelecendo e investindo no Acre.
Conversamos com Jaime e ele nos contou como se deu o processo de idealização e construção de uma das mais modernas plantas de pescado do Brasil. Veja, abaixo, trechos dessa conversa:
Jaime, como começou esse projeto? Foi você quem idealizou ele todo, não foi?
Sim. O início do projeto em si se dá a partir de uma demanda dos produtores daqui que procuraram o Tião Viana ainda quando ele era candidato. O setor produtivo queria fazer piscicultura bem feita e pediu apoio ao governador para isso. O governador nos chamou depois de eleito e, já nos primeiros dias de governo, fomos convidados a conhecer a piscicultura do Acre.
Constatamos aqui um problema que ocorre em muitos estados e regiões brasileiras: a piscicultura vai crescendo, os produtores e piscicultores percebem que é uma atividade interessante, que é viável, que é rentável, mas, no geral, encontram um problema de ordenamento da cadeia produtiva. Com base nisso, o que nós mostramos para todo o governo foi que, para desenvolver e fazer uma piscicultura moderna era preciso ter uma produção de alevinos local, suficiente, com tecnologia para fazer as espécies de alto valor como o pirarucu, surubim, ou seja, produzir peixes exportáveis. E teria que produzir ração também, e teria que ter indústria de processar o peixe.
O governo acatou o aconselhamento técnico que resultou no formato de um complexo industrial que têm essas três unidades que são as mais importantes. O Estado nunca fugiu da recomendação técnica e nunca fugiu do planejamento que não foi feito só pela nossa empresa, mas, também, pela Fundação Getúlio Vargas. O Acre é um dos poucos estados do Brasil que tem uma piscicultura realmente ordenada hoje.
Toda a cadeia produtiva está abrangida neste complexo?
Sim, está. E, também, o Estado cuidou de certos incentivos fiscais necessários para o setor. Cuidou de direcionar o crédito, pois o produtor precisa disso. A indústria aqui começou com o suporte técnico para a produção e para o produtor. Quando isso começa a se consolidar, fica bem mais fácil para alguém que vai tomar a decisão de criar peixe, porque tem todo um suporte pra isso. O fato de ter uma fábrica de ração aqui significa que a ração tem um preço melhor do que a que vem de fora. A fábrica de ração já tem hoje 90% do mercado do Acre. Isso porque ela tem preços competitivos. Tem qualidade, também. Alevinos baixaram muito o preço a partir da entrada em operação dessa unidade. Inclusive em Cruzeiro do Sul se produz alevinos que também estão com preços reduzidos. Hoje ficou fácil fazer piscicultura no Acre por causa de toda essa ação. Ficou fácil para o produtor, ao mesmo tempo em que a empresa também tem boa rentabilidade e é viável economicamente. Ficou bom para todos.
Quando o governador lhe procurou para discutir essa ideia, como é que você encarou isso?
É sempre um desafio, pois, se você olhar para o Acre, vai achar que o estado tem uma logística difícil. As pessoas falam: “mas o Acre é longe do porto de Santos…”. Só que, por outro lado, se a gente olhar que o grande mercado para peixe está na costa Leste dos Estados Unidos, está na Ásia, aqui perto, nos países andinos – o Peru e a Colômbia têm um grande mercado para o peixe –, grandes centros como Manaus também são excelentes mercados. Então, para a piscicultura, o Acre não tem logística tão ruim. E se a gente for olhar para o porto de Santos nós somos uma das capitais mais distantes, mas se a gente for olhar para o Pacífico, que dá saída para a Ásia, nós somos os primeiros da fila. A gente tem que saber tirar um pouco de proveito desta localização, pois o Acre não é tão inviável quanto se pensava antes. Com a Rodovia Interoceânica aqui ficou mais fácil.
A piscicultura moderna também demanda algumas coisa que tem aqui no Peru, como a farinha e óleo de peixe. O Peru é o maior produtor do mundo dessas matérias-primas. Ele tem um mar muito produtivo. Diante disso, provavelmente, a gente venha tirar algum proveito dessa proximidade. E peixe é um negócio um pouco maior. É sempre necessário entender que o espaço do peixe no mundo é um negócio maior que carnes de bovinos e de aves. Para a nossa cabeça de brasileiro, de cidadão do Ocidente, essas carnes são as maiores e o peixe é um negócio pequeno. Na verdade, não. O negócio do peixe no mundo é maior do que o de bovinos e de aves.
É mais produtivo, também?
É maior tanto em volume quanto em valores. Mas a rentabilidade varia, pois estamos falando de piscicultura no mundo.
Depende também do investimento, não é?
Depende. Mas para você ser competitivo hoje, você tem que ter isso que o Acre tem. Como é que você vai fazer uma exportação, por exemplo, para a Ásia? Você vai ter que ter uma planta como tem aqui. Essas plantas são feitas para exportar. Elas não são feitas necessariamente para atender só o mercado local. Pode atender o mercado local, pode atender o mercado brasileiro e pode exportar para qualquer país. Eu acho que isso foi muito bem feito aqui no Acre. O Acre está pronto para desfrutar dessa oportunidade de negócio.
Eu digo que esse negócio é viável economicamente. Para produzir a carne de peixe, que é uma carne importantíssima no mundo, maior que as outras carnes, nós temos custos de produção que nos tornam competitivos para atingir mercados de qualquer país.
Você diria que o Acre, baseado nessas características próprias, logística e moderna planta industrial leva vantagem em relação aos demais estados?
Sim. A encomenda do governador era um projeto grande, moderno e viável economicamente. Então, esse porte do empreendimento está, de certa forma, pensado para ter o tamanho suficiente para ser exportador de peixes, ao mesmo tempo em que é moderno. Ele tem infraestrutura. Ele tem aqui plantas que são muito modernas. Essa fábrica de ração é, seguramente, a fábrica mais moderna de ração de peixes do Brasil. Não é a maior, pois o Brasil tem mais de uma centena de fábricas de ração de peixes, mas essa é uma fábrica pensada para produzir esses peixes de alto valor. Não é qualquer fábrica de ração que faz ração para um peixe como o pirarucu. Essa fábrica, sim. Ela tem toda uma tecnologia europeia que a torna possível para isso. O frigorífico, da mesma forma. E a estação de alevinos, também. Aqui, nós estamos produzindo pirarucu sempre com sobras de alevinos. Produzimos o surubim também. Esses peixes, o Estado nem produzia antes. São peixes pensados para a exportação. O pirarucu, provavelmente, é o peixe mais caro que o Brasil produz e que vai produzir nos próximos anos. Nós não vamos ter nenhuma espécie mais cara que o pirarucu na hora da exportação.
A forma como foi pensada e construída essa planta coloca o pequeno produtor como parte dessa indústria. Como você analisa essa questão?
O Acre é visto com inveja por muitos estados hoje. Os olhos deles, inclusive o do governo federal, estão voltados para o Acre. Todos dizem: “mas que grande sacada”. E o que é a grande sacada? É a gente inserir, de fato, como o governo fez aqui, o pequeno produtor no processo. O pequeno produtor aqui termina sendo um acionista desse projeto. Ele, cooperativado lá pela cooperativa local dele, termina sendo um acionista dessa empresa. Se ele criar peixe, tem lucro como produtor, tem as facilidades como cooperativa e termina tendo, no momento em que essa empresa começar a dividir o seu lucro, parte desses recursos. Esse lucro retorna, primeiro para a central de cooperativas, depois para a cooperativa e, por fim, para o cooperativado. Essa é uma inserção, não é uma exploração do pequeno produtor. É uma inserção de fato. O modelo mais próximo disso é a cooperativa, mas as cooperativas têm um outro grau de dificuldade. Aqui termina sendo uma sociedade anônima, com um sistema de gestão bem moderno e tem a praticidade para os negócios de grande monta, de grande vulto, pois o fato de ser uma sociedade anônima possibilita isso. Mas ela termina amparando o pequeno produtor como um acionista desse empreendimento.
Então, o pequeno produtor também está ganhando e bem, é isso?
A atividade de produção tem, por si só, uma rentabilidade boa. O produtor já tem o benefício de comprar uma ração mais barata, um alevino mais barato e isso torna a produção dele mais lucrativa, e ele não é obrigado a vender aqui para a indústria. Por si só ele já se beneficia de todo esse investimento que o Estado proporcionou.
Você conheceu um pouco do Acre antes desse empreendimento e durante a sua construção. Depois disso, você já visitou alguns desses produtores que conheceu antes para saber o quanto a vida deles mudou?
Eu não conheço tanto o Acre assim, mas conheci, antes de projetar essas instalações, todo o setor. Me foi mostrado o que estava dando certo, o que estava dando errado, os produtores grandes, médios e pequenos. O que eu tenho percebido é que os pequenos começam a se desenvolver bem mais. À medida em que se estabeleceu toda a indústria, o governo passou a incentivar mais a abertura de tanques para pequenos produtores e inseriu uma política de estruturação das cooperativas. Mas não está tudo pronto. Esse é um processo contínuo.
Eu entendo que essas são as políticas corretas. Entendo que melhorou para todos. Para a empresa também, que quando mostra esse portfólio com os pequenos produtores, ela também ganha, pois isso é bem visto pelo mercado. Você olha as grandes redes hoje de supermercados, os grandes compradores, eles gostam disso, eles gostam de ter o agricultor familiar incluído, de fato, no processo produtivo. Governos também gostam e não falo só do nosso aqui. No âmbito do governo federal, eles olham para essa Peixes da Amazônia e para esse programa de piscicultura com grande interesse. Isso porque, se esse modelo der certo, com inclusão efetiva do pequeno produtor, ele tende a se estender no país e a ser aplicado em outras atividades, também.
O desafio é muito grande. Imagine um pequeno agricultor com pouca terra e com muitas limitações. Imagine como tornar ele viável a partir de uma indústria moderna e exportadora. É um desafio!
Se você olhar hoje para esse programa da piscicultura, verá que ele tem essa possibilidade de tornar viável esse produtor. A possibilidade está colocada hoje, está pronta e produzindo. Está começando o seu processo de exportação e, numa outra ponta você tem não só os pequenos produtores, mas, também, o médio e o grande, daqui a pouco nós vamos ter grandes investidores, grandes fazendas, enfim, é uma possibilidade colocada para todos. Eu falo como brasileiro, a gente fica orgulhoso de ver esse processo que realmente inclusivo. Os processos de economia no mundo, no geral, excluem os pequenos. O capitalismo é cruel. Ele não perdoa. Mas aqui, o modelo societário permite que o pequeno realmente participe nessa forma bem efetiva do processo.
E o mercado, como está recebendo a produção dessa indústria?
Nós temos três unidades de negócio aqui. Alevinos é a primeira unidade que entrou em operação. Ração veio em segundo lugar e o frigorífico só recentemente começou a operar, há cerca de quatro ou cinco meses. Em termos de desenvolvimento de negócio, o mais lento para se desenvolver sempre é o do frigorífico que vai colocar peixe fora do estado, colocar fora do país. Iniciou aqui com o mercado local. Hoje já se comercializa peixes para fora do estado, para o Sudeste brasileiro, basicamente, e está começando o processo de exportação para fora do país. Nós precisamos, ainda, para o processo de exportação, de autorização do Ministério da Agricultura, do SIF, que está sendo obtido nesse dias. Temos agora uma vistoria grande do Ministério, que vai possibilitar a emissão desse documento. Depois disso, começa o processo de exportação.
Agora me fala de você. Soube que você foi convidado para projetar esse empreendimento e acabou ficando por aqui.
É! A gente acaba convencido, também. A sede da minha empresa fica em Mato Grosso do Sul, chama-se Projeto Pacu. É uma das primeiras empresas nesse ramo que o Brasil teve. Ela tem 29 anos de fundação. Somos considerados os empreendedores pioneiros nesse setor. Nós viemos para o Acre como um provedor, como um fornecedor de engenharia e de tecnologia. Nós fizemos, também a terraplanagem de todo esse complexo. E o que a gente aprendeu? A gente aprendeu a não só acreditar no Acre, mas a gostar das pessoas também. O processo se inverteu. No primeiro momento, eu diria que os governantes e os empresários tiveram que acreditar na nossa tecnologia e nosso projeto para esse empreendimento que já está construído, que é a Peixes da Amazônia. Findado esse processo de construção e consolidada essa questão toda de tecnologia de construção – hoje essa empresa produz normalmente –, nós decidimos investir aqui no Acre como produtores. Estamos montando a nossa primeira fazenda, que é um investimento privado da empresa, sem financiamento, e queremos tê-la pronta em janeiro. Estamos nos estabelecendo de forma bem definitiva, com escritório e sede, com filial constituída.
*A agência Notícias do Acre tem espaço reservado para entrevistas, artigos e reportagens de colaboradores e parceiros. A entrevista acima é uma colaboração especial do jornalista Tião Vitor