Famílias de trabalhadores rurais receberam os Títulos de Concessão de Direito Real de Uso de suas propriedades nas florestas públicas estaduais
Mãos trêmulas e olhos cheios de lágrimas. Essa era a reação de quase todos os contemplados com documento de posse das terras, que ficam nas três florestas públicas estaduais de Tarauacá. As autoridades presentes na solenidade de entrega dos 279 Títulos de Concessão de Direito Real de Uso pelo Governo do Estado para os moradores das florestas do Mogno, Liberdade e do Gregório também se emocionaram bastante.
Cerca de 600 pessoas se reuniram no último sábado, no acampamento do Deracre, próximo ao rio Gregório, para a festa de entrega dos Títulos. O vice-governador, César Messias, os deputados estaduais Moisés Diniz e Edvaldo Magalhães, e a deputada federal, Perpétua Almeida, fizeram parte da solenidade de entrega dos documentos e explicaram para comunidade a importância do documento.
Várias instituições, como a Câmara de Vereadores de Tarauacá, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Caixa Econômica Federal, estavam representadas na solenidade que também simbolizou a coroação de mais de seis anos de trabalho do Instituto de Terras do Acre na região. "Vocês estão recebendo a certidão de nascimento da terra de vocês", explicou o diretor do Iteracre, Felismar Mesquita.
Os títulos garantem a estabilidade das famílias que moram há décadas nesta região, permitindo que elas continuem nos lotes. Todo processo de georeferencimento, vistorias e levantamento da dominialidade dos lotes, bem como o trabalho de mobilização para a entrega dos títulos foi realizado pelo Instituto de Terras do Acre.
A titulação credencia os moradores das florestas para amplo acesso aos programas de desenvolvimento sustentável do governo, como a Política de Valorização do Ativo Ambiental Florestal e a Certificação da Propriedade Rural Sustentável, como também facilita a negociação de crédito. O objetivo maior é garantir as ferramentas e os meios para as famílias conquistarem cada vez maior independência econômica, segurança alimentar e qualidade de vida.
Um sonho distante finalmente realizado. Assim pode ser sintetizado o sentimento da maioria dos produtores rurais agraciados com o Título. "Tinha gente que dizia que não acreditava que isso ia acontecer um dia. Mas nós sempre continuamos acreditando. E o dia chegou", reforçou a presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tarauacá, Maria Inês Barbosa.
"Hoje é um dia pra se arrancar a folha do calendário, dobrar e guardar, para nunca mais esquecer", disse emocionado o presidente da Aleac, deputado Edvaldo Magalhães.
Décadas de batalha e satisfação
O senhor Francisco Ferreira de Almeida, conhecido na região como Chico Luca, hoje com 54 anos, já completou 20 anos morando na região das florestas estaduais. Veio para cortar seringa, mas isso durou pouco. Depois de dois anos com a poronga na cabeça começou a se dedicar à roça de macaxeira, arroz e milho, e à criação de pequenos animais.
"Hoje sabemos que vencemos as dificuldades. No começo demorávamos dois dias e meio para chegar em Tarauacá. Hoje é uma hora e meia. À partir do Jorge Viana começou a melhorar. Hoje temos luz e tudo mais". Assim responde o sorridente senhor quando perguntado se gostava do lugar onde mora.
{xtypo_quote_right}Aqui é bom demais. Viver com saúde, com esse ar puro. Não falta nada pra gente, tem comida boa, água boa. Tudo que tem na casa do rico em Rio Branco, eu tenho aqui. E até melhor. Aqui é o meu lugar
Pai de 13 filhos, cinco dos quais ainda preenchem os cômodos da ampla casa, acompanhados de mais quatro netos de seu Chico Luca. O café, colhido da lavra, fresquinho e torrado recentemente aquece os dias nublados do inverno amazônico. Mesmo a fina garoa não o impede de orgulhosamente nos conduzir ao seu roçado, repleto da leguminosa que aos poucos vem mudando para melhor a produção dos agricultores acreanos, a Mucuna.
Caminhando curvado abaixo no macaxeiral, Chico Luca explica admirado como a Mucuna acelerou o crescimento das plantas e o rendimento na colheita. Ele conta que seus vizinhos que tinham medo da leguminosa já estão mudando de ideia e ele atua como entusiasta: "eu digo mesmo que não existe coisa melhor. É especial".
Quando pergunto se ele pensava em ir embora a resposta vem imediatamente. "Não. Aqui é bom demais. Viver com saúde, com esse ar puro. Não falta nada pra gente, tem comida boa, água boa. Tudo que tem na casa do rico em Rio Branco, eu tenho aqui. E até melhor. Aqui é o meu lugar".
No dia seguinte, seu Chico Luca e sua senhora recebem das mãos do vice-governador, César Messias, o Título de Concessão de Direito Real de Uso. O documento que prova e atesta que lá é realmente seu lugar. Agora sim.
Participação feminina
A força e a coragem da mulher, que foram exaltadas pela deputada federal Perpétua Almeida, fazem parte do mosaico único que descreve esta região que já foi de difícil acesso, isolada. Vários títulos estão em nome das mulheres. Casadas, viúvas ou solteiras que cuidam das suas propriedades, plantam e criam fartura alimentos. São mãos masculinas e femininas, todas calejadas igualmente.
A coragem destas mulheres que moram nas florestas públicas estaduais do Mogno, Liberdade e do Gregório pode ser representada pela senhora Francisca de Sá Gomes, mãe de sete filhos, todos morando em casa. Ela conta que quando chegou com seu marido, o seu Oliveira, na terra que ele havia adquirido por 150 reais ficou com medo. "Não pelo fato de não ter documentos, pois quando a estrada era de barro, ninguém queria saber daquele lugar", explica.
Mas o isolamento e a bravura da terra assustavam. A família de oito pessoas se acomodou como pôde na casinha de Paxiúba. "Quando chovia, nós colocávamos os meninos para dormir debaixo da nossa cama, por que chovia mais dentro do que fora". Hoje o resto da família que permaneceu em Cruzeiro do Sul vem visitá-los de vez em quando e diz que estão muito bem.
De fato a nova casa da dona Francisca não fica devendo ao quesito conforto, espaço e definitivamente não chove mais do lado de dentro. São dois pisos. Os filhos e netos dormem no andar superior.
A valorização dos lotes, assim como os documentos, são direitos adquiridos pelos homens e mulheres que se lançaram à povoar a região quando ela ainda não tinha definição fundiária e muito menos estrutura. Hoje há saúde, escola e assistência técnica. Os filhos e netos não precisaram voltar para cidade para poder estudar e isso tranqüiliza o coração do casal Oliveira e dos outros moradores. O filho mais velho de dona Francisca, José Francisco, de 20 anos, quer se formar em engenharia florestal. O sorriso de esperança em seu rosto acredita que vai se formar sem precisar abandonar o seu lugar. Ele e os outros irmãos estavam no roçado plantando melancia e pastorando os sensíveis pés de tomate. A nova aposta da família na agricultura.
Agora que as famílias têm os documentos das terras em mãos o desejo de dona Francisca está garantido. O de permanecer ali "até o dia que Deus permitir".
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