O que significa um quadrado preto no Instagram de um brasileiro que grita para o estrangeiro, mas se cala diante da própria realidade? Seria isso antirracismo ou conveniência midiática? No dia 2/06/2020 (uma terça-feira), há dois anos, manifestantes de todas as partes do mundo, especialmente do Brasil, realizaram nas redes sociais um protesto pela morte do norte americano George Floyd.
A “Terça feira do apagão” foi marcada pelo compartilhamento de “telas pretas” e hashtags com a seguinte frase “black lives matter” que em português significa “vidas negras importam”. A repercussão do caso nas mídias brasileiras revelou uma atenção ao racismo que acontece no exterior e uma negação ao racismo presente no cotidiano do país.
George Floyd foi um afro-americano que morreu em 25 de maio de 2020, depois que Derek Chauvin, então policial de Mineápolis, a cidade mais populosa do estado norte-americano de Minnesota, ajoelhar-se em seu pescoço, por pelo menos sete minutos, enquanto ele estava deitado de bruços e pedia para respirar. Infelizmente, Floyd foi apenas mais uma das vidas negras perdidas em abordagens policiais violentas.
Em 18/05/2020, no Brasil, dias antes da morte de Floyd, o jovem João Pedro foi assassinado no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ) durante uma operação conjunta das polícias Federal e Civil. A família e testemunhas afirmam que policiais chegaram atirando à casa onde João e amigos estavam jogando vídeo game. O rapaz foi atingido na barriga e levado para um helicóptero. O corpo só foi achado dezessete horas depois.
Mortes como a de João Pedro são comuns no Brasil , entretanto nunca ocasionaram uma comoção nacional como a do Norte americano George Floyd. Os dois casos sofreram de negligência policial e explicitamente se trata de racismo estrutural, contudo o caso de Floyd comprovou que os brasileiros enxergam o racismo longe da sua realidade, quando na verdade ela está muito presente.
Pessoas negras lutam por muitas coisas no Estado brasileiro como: educação, trabalho e segurança, mas lutam principalmente para ficarem vivas. O medo de morrer nas periferias é constante, e o genocídio da juventude e população negra não é um acaso.
Segundo a CPI do Senado, que analisa dados de 1998 a 2014 sobre o assassinato de jovens, cerca de 23.100 jovens negros entre 15 a 29 anos são assassinados no Brasil anualmente. São cerca de 63 pessoas por dia, uma a cada 23 minutos. Além disso, Dados do Monitor da Violência mostram que 78% dos mortos pela polícia civil e militar no ano de 2020 eram negros.
Esses dados e estátiscas são a prova da “importância” que essas vidas não tiveram enquanto estavam vivas. Quando os jornais noticiam que mais um jovem ou, que mais uma criança morreu por bala perdida, devemos nos atentar ao fato de que estas balas sempre alçam voo para seus alvos e esses alvos sempre têm cor, a preta e sempre tem lugar: a periferia.
Estes são apenas alguns dos meandros do racismo no país, o mesmo que fez com que o Brasil entrasse na linha de frente, virtualmente, no caso George Floyd mesmo que pouco se conheça sobre a história. Amarildo, Miguel, Claudia Ferreira e outros… é difícil contar quantos são, pois todos os dias a lista é atualizada
Achille Mbembe um filósofo ,historiador e pensador camaronês fala sobre a necropolítica, um critério utilizado pelo estado para ditar “quem pode viver e quem pode morrer”. Em outras palavras, a necropolítica é o Estado agindo como um assassino. Há mais de quinhentos anos a nação brasileira tem escolhido quem deve viver e quem deve morrer entretanto, isso ainda não é reconhecido pelos brasileiros, o que possibilita ainda mais que o genocídio da população negra continue acontecendo.
É certo que, essa movimentação virtual foi e é importante, mas para desconstruir as estruturas racistas que nos rodeiam, é preciso mais do que um post, mais do que um dia. Vários “Georges Floyds” morrem no Brasil todos os dias nas periferias em operações policiais, e isso é inegável. Entretanto, a maioria dessas mortes passa despercebida pela população.
Compartilhar midiaticamente a causa racial para adquirir likes ou porque todos estão aderindo a essa “onda” sem buscar conhecê-la ou entendê-la é afro-conveniência, é racismo. Sobre o assunto o Dr. Martin Luther King disse “Quem aceita o mal sem protestar, coopera com ele”. O racismo é um problema de todos, de quem sofre e também de quem o vê acontecer e se cala.
É preciso buscar enxergar e questionar onde estão as pessoas negras. Elas estão na portaria do seu prédio? Trazendo seu lanche? Servindo seu café? Ou estão morrendo ao lado da sua casa por uma bala perdida? A luta antirracista vai além de uma hashtag, é história e resistência.
Você sabe identificar o racismo?Para acabar com ele é preciso não negar sua existência. Enquanto estivermos negando a estrutura racista que nos rodeia, vidas negras continuarão sendo negligenciada e estaremos cooperando com este sistema genocida.
Hellen Lirtêz é assessora de imprensa da Fundação de Cultura Elias Mansour (FEM), integrante da Academia de Letras Juvenil (Ajal), graduanda em jornalismo pela Universidade Federal do Acre (Ufac), pesquisadora e ativista de gênero e raça.