Vida e morte de Padre Paolino, resgate de simpatias juninas, diversidade e culinária acreana marcam temas de apresentações das quadrilhas no Arraial Cultural

Do Centro da capital acreana, os temas apresentados pelas cinco quadrilhas na quarta noite do Arraial Cultural, na Gameleira, ecoaram a cultura do Acre e o orgulho de fazer parte dele. Durante a noite desta sexta-feira,19, cinco grupos se apresentaram, sendo três do interior do estado e dois da capital. Esta foi a última noite de apresentações, mas o evento segue até domingo, 21.

Na ordem de apresentações, a plateia pôde conferir os espetáculos das quadrilhas Junina Manguaça, de Sena Madureira; Matutos Pelo Avesso, de Tarauacá; Junina Pacatuba, de Plácido de Castro; Explode Coração e Malucos na Roça, da capital Rio Branco.

Os diferentes temas abordaram a trajetória de Padre Paolino; resgate das simpatias juninas; as cores do arco-íris representando a diversidade e, claro, os sabores acreanos e a história do estado contada através da sua culinária.

O 22º Concurso Estadual de Quadrilhas Juninas vai distribuir R$150,5 mil em prêmios destinados a 18 itens. O grupo que ficar em primeiro lugar leva R$ 10 mil; o segundo R$ 7 mil, o terceiro R$ 6 mil e outros R$ 5 mil e R$ 4 mil para o quarto e quinto lugar. Ao todo, durante todas as noites, 16 grupos se apresentaram para o público.

A ganhadora vai se apresentar em Brasília, no concurso nacional, no próximo dia 27.

Confira um pouco de cada apresentação:

Junina Manguaça fez homenagem a padre Paolino. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Junina Manguaça

Com o enredo, “O Prego e a Medalha”, o grupo cultural Junina Manguaça emocionou ao contar a história de padre Paolino Baldassari, religioso que se dedicou à cidade de Sena Madureira, mesma cidade onde a quadrilha nasceu. Para o grupo, que abriu as apresentações da quarta noite, a escolha se dá porque ele foi um homem cuja fé guiava suas ações, salvando e transformando vidas através de ervas milagrosas.

Na concentração, uma reza e o pedido de bênçãos do padre. O casamento abriu a encenação e o público fez uma viagem ao tempo. “Padre Paolino salva os enfermos”, diz trecho do enredo ao entrar a realeza representando as ervas medicinais.

Atualmente, Sena Madureira tem um memorial dedicado ao frei, que morreu em 8 de abril de 2016. Inclusive, a data da morte é feriado municipal. Além disso, a ponte sobre o rio que corta a cidade também leva o nome do padre.

Nascido em Bologna, na Itália, ele chegou ao Brasil em 1950, aos 24 anos. Foi ordenado padre três anos depois, em São Paulo. Em 1954, chegou ao Acre, onde realizou trabalhos religiosos em Brasileia e em Sena Madureira, sendo o principal responsável por mobilizar toda a comunidade na construção da paróquia onde, agora, está instalado o memorial.

Quadrilha de Sena Madureira emocionou ao relembrar cura através das ervas medicinais. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Padre Paolino pode ser o primeiro religioso da Amazônia a ser beatificado, que irá elevar, de forma oficial, o sacerdote à condição de “Servo de Deus”. O processo de beatificação teve início ainda em maio de 2022 com uma cerimônia religiosa.

Ao todo, 80 pessoas participam do espetáculo. Breno Souza, coordenador e noivo da quadrilha, diz que abordar a história do religioso foi um sonho realizado. Por muitos momentos, o público pôde se emocionar com a encenação.

“A escolha da temática estava sendo planejada desde o ano passado e era um sonho da nossa coreografia falar sobre o padre. Então, conseguimos aprovar uns projetos e, graças a Deus, deu tudo certo”, disse.

O grupo coleciona 17 títulos municipais; foi campeão municipal e intermunicipal 2023; campeão municipal 2024 e ficou em 3º lugar no intermunicipal 2024.

Matutos Pelo Avesso levou colorido para o tablado e encantou com coreografia. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Matutos Pelo Avesso

Da terra do Abacaxi, o grupo Matutos Pelo Avesso, levou ao público o “São João de Todos, São João de Todas as Cores”. Segundo a organização, é uma forma de celebrar a união e inclusão, mostrando que a festa junina é para todos.

O beijo dos noivos marcou o início da apresentação, que contou com figurinos que fazem referência ao arco-íris e encantou o público com uma coreografia compassada e que cumpriu a promessa de alegrar a noite.

“A verdadeira beleza do São João reside na diversidade e na capacidade de reunir pessoas de todos os cantos, histórias para festejar com alegria e harmonia”, explica Fran Amauacas, coordenador e noivo do grupo.

O figurino, com cores vibrantes, foi pensado em cada detalhe para destacar a essência e o amor pelo São João. O intuito em focar nas cores do arco-íris é também celebrar a diversidade. Ao todo, 43 pessoas contribuíram para o espetáculo. A apresentação tem um gosto especial para os brincantes: o retorno dela na competição estadual.

“A quadrilha estava há oito anos sem participar do Arraial Estadual. Para gente é uma alegria imensa estar de volta, trazendo a cultura do município de Tarauacá, já que somos a única quadrilha profissional do município e também estamos felizes em estar fomentando a cultura, que é muito importante pra gente”, disse ao destacar que a apresentação é uma peça teatral engraçada e com muitas cores, brilho e glamour.

Matutos pelo Avesso levou o amor para o Arraial e a diversidade. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Fran ressaltou ainda que foram nove horas de deslocamento para levar ao público uma apresentação de qualidade e que levanta debates importantes. “O nosso tema foi trabalhado no sentido de que o arco-íris pudesse trazer cor para a vida das pessoas e para que que a gente possa mostrar que o São João pode ser de todos.”

Em uma viagem de 400 km o que não falta são histórias. No deslocamento, Fran conta que ao descer do ônibus na BR quase ficou para trás.

“Em uma das paradas, acharam que eu já tinha entrado no ônibus e fiquei no meio da estrada abandonado. Tive que correr atrás do ônibus e os trabalhadores da BR deram com a mão e fui resgatado, conta bem humorado.

Com uma trajetória de muita luta, ele destacou ainda que poder estar em Rio Branco já é uma vitória.

“Nos preparamos com muita dificuldade, então só de estar em Rio Branco e trazer o nome do nosso município, nome da nossa quadrilha, já nos alegra muito, nos deixa muito satisfeitos. Nosso coração está repleto de muita gratidão, muita expectativa e muito amor”, finalizou.

O grupo tem 15 anos de tradição.

Junina Pacatuba relembrou simpatias tradicionais para arranjar casamento. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Junina Pacatuba

Da cidade de Plácido de Castro, onde moram 16.560 habitantes, a Junina Pacatuba optou por destacar as simpatias tradicionais da comunidade e o santo casamenteiro. O nome do grupo é em alusão ao seringal que existia na cidade antigamente e a apresentação contou com o desfile das solteironas, fazendo um resgate histórico e cultural dessas simpatias, quando as moças as faziam em busca de um casamento.

“Na festa de Santo Antônio solteiro ninguém fica”, assim começou a quadrilha, com a noiva apresentando algumas simpatias para conseguir um marido. Um espetáculo bem-humorado e que divertiu o público com a encenação.

Emílio Amorim, coordenador do grupo, conta que são 40 pessoas envolvidas na apresentação com o objetivo de destacar as crendices que resgatam essas histórias. Ele lembrou também que foi preciso um levantamento histórico para ter uma base sólida para a criação.

Quadrilha de Plácido animou quarta noite de arraial. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

“Falamos das crendices, simpatias juninas, em especial do Santo Casamenteiro, Santo Antônio. A faca no tronco da bananeira, da bacia, as orações e chás para casar. Foi um laboratório, um estudo, base histórica com leituras e pesquisas buscando crendices e também ouvimos pessoas mais antigas da cidade que conhecem essas histórias e contaram casos que remetem ao desejo das meninas de casar”, explica o coordenador.

O grupo se apresenta desde 2022.

Explode Coração encantou ao falar também de Padre Paolino. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Explode Coração

“No Caminho da Fé, o Santo que o povo quer”. Assim como a primeira quadrilha, a Explode Coração fez uma homenagem emocionante ao Padre Paolino. A canção passeia pela trajetória do frei, que se dedicou às comunidades mais vulneráveis, principalmente ao longo dos rios acreanos.

O grupo começou retratando o nascimento do padre, passando pela sua infância e como encontrou na Amazônia um refúgio da 2ª Guerra Mundial. Uma espécie de máquina do tempo apresentava ao público cada fase.

Cleson Lima, coordenador do grupo, disse que o pós-morte e a luta para torná-lo santo também foram pensados detalhadamente.

“O espetáculo conta a história dele desde a vinda da Itália até o momento em que se dedica à comunidade até o momento do pós morte quando se iniciou o processo de beatificação. A gente aborda um pouco também das ideias e ensinamentos que ele deixou”, destaca.

Quadrilha foi a penúltima a se apresenta na quarta noite de arraial.

A realeza veio representando a Nossa Senhora dos Seringueiros.

Ao todo, são 80 componentes que mergulharam nessa história para emocionar quem assistia à apresentação. “O sentimento é de muita emoção, porque conseguimos entregar aquilo que foi planejado e ainda temos muito forte a questão da devoção. A mensagem que queremos deixar é deixar viva a memória do Padre Paolino.”

Conquistou o quarto lugar no concurso em 2022 com o tema “Coisa de Mulher.” O grupo é do bairro Tancredo Neves, na parte alta da capital.

Grupo Malucos na Roça levaram os sabores do Acre para os jurados e para a plateia. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

Malucos na Roça

E, para fechar a noite, claro que não podia faltar os sabores do Acre bem representados pelo grupo junino Malucos na Roça que levou ao tablado o espetáculo “É de dar água na boca”. E foi mesmo, viu? Com o tema tudo a ver com o Arraial Cultural, já que uma das principais atrações são as comidas típicas do estado, o time de artistas não só deixou água na boca, mas deixou o público de boca aberta.

O tema foi uma imersão estética que mergulha em uma das maiores misturas gastronômicas de povos na região Norte do país, trazendo para os festejos juninos os deliciosos sabores da baixaria, do açaí, do jambu, quibe de arroz, peixes, farinha de Cruzeiro do Sul, do pato no Tucupi e do Tacacá.

Um tributo não só do aroma dos pratos do Mercado do Bosque, mas pelos ricos temperos encontrados no Mercado Elias Mansour. O público também recebeu as iguarias acreanas.

Embalados pelo enredo que destacou os pratos, a quadrilha serviu tudo ao público. A comida fez parte até do casamento, onde os personagens levaram o nome de alimentos.

Kayro Almeida, integrante do grupo, fala da união e organização da quadrilha.

“A gente tem se preparado desde agosto do ano passado, na volta do concurso nacional que a gente participou, em Maracanaú, no Ceará. Alguns coordenadores daqui foram para São Paulo comprar tecido, pedrarias e outros materiais para a construção do espetáculo. Como sabem, a gente se organiza para, inclusive, costurar e produzir nossas próprias roupas, nossos vestidos e as roupas masculinas também. E essa organização faz com que a gente, inclusive, costure para outras quadrilhas”, disse ao destacar que a quadrilha mantém um ateliê que faz o figurino dos outros grupos.

Ele destaca ainda que tudo foi pensando de uma maneira que contemplasse tudo o que comida simboliza para o acreano.

“A gente está falando de algo muito intrínseco na cultura do Acre, que é a culinária, que é algo que representa o Acre tão bem”, completou. A quadrilha possui cerca de 150 participantes, entre corpo dançante, atores, banda e equipe de produção.

Grupo animou a plateia do começo ao fim. Foto: Clemerson Ribeiro/Anac

O grupo, que nasceu no bairro Cidade Nova, foi reconhecido como patrimônio cultural do estado após um projeto de lei ser sancionado pelo governo. É quatro vezes campeã do Circuito Junino de Rio Branco; foi três vezes campeã do Circuito Estadual; por oito vezes foi campeã dos concursos intermunicipais e duas vezes campeã do festival dos Sesc.

Danilo dos Santos, marcador e produtor cultural do grupo, diz que o grande final foi pensado de última hora.

“A gente deixou o ápice pro final da apresentação e fizemos uma grande ceia. Nós levantamos é a questão do não desperdício, considerando que tem muitas pessoas que passam fome no país e no mundo e aí traz o tempero como uma forma de recordações, de memórias afetivas. Nosso tempero é único e sempre deixa saudade pra quem vai embora daqui. Então, é sobre esse resgate”, frisou.

O fim da apresentação foi marcado por mensagens como: ninguém nega um prato de comida pra ninguém e 12 pratos regionais representando os 12 discípulos da Santa Ceia. Os integrantes deixaram a encenação emocionados e deixando um gosto de “quero mais”.

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