Na periferia de uma cidade pequena, distante dos grandes e agitados centros urbanos, vive uma menina pobre, de 13 anos, com mais seis irmãos. Nos pés, um par de sandálias cujo uso reveza com irmão e mãe. Na cabeça, muitos sonhos, entre eles o de tomar banho na piscina da casa bonita que vê na rua de cima. A mãe, doente e sem emprego, opera ao longo do mês o pequeno milagre de transformar a módica quantia que recebe de um benefício social, o principal (e quase sempre único) sustento da família.
Essa poderia ser apenas mais uma entre as milhares de histórias tristes que remontam à narrativa da extrema pobreza no Brasil, agravada pela pandemia da Covid-19. Talvez essa seja tão somente uma família comum, de uma cidade qualquer, sobrevivendo às mazelas de um país sem oportunidades e mergulhado nas desigualdades sociais. Mas não é disso que trata essa história. Esse relato é sobre empatia e solidariedade. É sobre uma menina, que num ato de coragem e desespero, colocou a alma no papel ao pedir por ajuda.
O nome dela é Wanessa Calil. A pequena mora com a família em um bairro periférico da cidade de Rio Branco, capital do Acre. A carta, que chegou às mãos de um sargento da Polícia Militar do Estado, é um relato cru da vivência comum de milhares de brasileiros que não dispõem do mínimo para viver com dignidade. Ela pede, além de comida para ela e os irmãos, roupas, calçados e a oportunidade de um dia entrar na piscina da casa que ela só consegue ver da rua, lazer que até então desconhece.
O PM que recebeu a carta é o 1º sargento Renilson de Souza. Com quase 30 anos de profissão, já vivenciou mais situações como essa do que gostaria de lembrar. Talvez tenha sido por isso que ficou tocado com o apelo de Wanessa. Tantos anos testemunhando o pior do ser humano, e ainda assim é capaz de mostrar um pouco do que temos de melhor: a empatia!
Renilson compartilhou a carta nos grupos de policiais militares de que participa, deu início a uma campanha de solidariedade que envolveu diversos colegas e ganhou as redes sociais, com pedidos de doações para a família. No dia seguinte, já havia arrecadado o suficiente para uma feira e, dias depois, ainda está recebendo e encaminhando donativos.
“Quando recebi a carta não tive como ficar parado. Entrei em contato com a mãe da menina, para saber do que precisava e postei nos grupos de policiais militares. Fizemos uma vaquinha e a cota rendeu setecentos reais para comprar alimentos. Comprei seiscentos em feira e dei cem reais em dinheiro para a garota”, afirmou.
A campanha não se restringiu à capital Rio Branco. Profissionais de Segurança Pública de São Paulo e cidadãos de outros estados, assim como de municípios do interior do Acre, aderiram à corrente do bem. Uma equipe de policiais mulheres da Polícia Militar do Acre, as “Princesas de Coturno”, se mobiliza para arrecadar itens de higiene feminina e roupas, que também serão entregues em data oportuna. Funcionários de outras secretarias do governo do Acre também se organizam para contribuir.
E qual é o ponto deste relato? Seria possível abstrair-se das próprias limitações e dificuldades, sobretudo em dias tão incertos e sombrios, para enxergar a dor alheia e dar uma mão aos mais necessitados? A história de uma menina, com mãe doente, seis irmãos, morando de aluguel e sem um adulto com emprego fixo por perto, que se vê na triste situação de pedir ajuda a um desconhecido mostra que sim.
Em dias tão atribulados, demonstrar empatia e solidariedade é mais que um simples gesto. Tais atitudes, de se colocar no lugar do outro, entender sua dor e se dispor a ajudar, mesmo quando não se tem muito, são parte do que difere o ser humano dos irracionais. Uma pequena campanha, realizada por um pequeno grupo de funcionários públicos, sem nenhuma pretensão de reconhecimento, pode até não mudar o cenário brutal em que vivemos. Mas com certeza fará a diferença para um grupo de pelo menos sete crianças e uma mãe.
Isso não te traz um tiquinho de esperança?
*Joabes Guedes é jornalista e Sargento da Polícia Militar. Trabalha na Assessoria de Comunicação da PMAC