Um hospital para cuidar de nossas crianças

Hospital da Criança completa nove anos neste mês (Foto: Angela Peres/Secom)

Hospital da Criança completa nove anos neste mês (Foto: Angela Peres/Secom)

“Todas as crianças têm direito a alimentação e ao atendimento médico, antes e depois do seu nascimento. Este direito também se aplica à sua mãe”. Esse é quinto princípio presente na Declaração dos Direitos da Criança, uma adaptação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, porém, voltada para as crianças. E para levá-lo a sério e, principalmente, cuidar das crianças acreanas com uma atenção mais do que especial, temos hoje o Hospital da Criança, que completa em maio nove anos de existência e mudou o modo de cuidar de uma criança em todo o estado.

Antes de tudo, vale lembrar que o Hospital da Criança não é  um hospital de urgência e emergência. O espaço existe para tratamentos específicos e encaminhados previamente. A porta de entrada são as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb). Os pacientes com casos mais graves, que necessitem de observação, principalmente nas áreas respiratória, cardiopata, neuropatas e esperas de respostas do Tratamento Fora de Domicílio (TFD).

O hospital é tão específico, que possui 60 leitos normais, além de três de isolamento, quatro de semi-intensivo e dez de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ainda assim, o maior problema do hospital hoje é a lotação. “A taxa de ocupação é de 100%. Saiu uma criança, entrou outra imediatamente. Essa é a nossa maior preocupação atualmente”, conta Lorena Seguel, gerente geral do Sistema de Atendimento de Saúde da Mulher e da Criança (SASMC).

Além disso, o hospital também é “moradia”  de crianças que possuem problemas de saúde crônicos e não possuem capacidade de viver plenamente fora de suas paredes. E é suporte da Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon), recebendo e cuidando de crianças que estejam em tratamento contra o câncer.

Da saúde ao conforto

As equipes do Hospital da Criança são uma das mais completas do estado, com pediatria, enfermagem, fonoaudiologia, psicólogo, fisioterapia e nutricionista. Também há equipes de sobreaviso para cirurgias, cardiologia, neurologia e a maternidade Bárbara Heliodora está com um setor no hospital.

Mesmo internadas as crianças em idade escolar recebem auxílio de professores (Foto: Angela Peres/Secom)

Mesmo internadas as crianças em idade escolar recebem auxílio de professores (Foto: Angela Peres/Secom)

Pelas normas, o hospital é para tratamento de crianças a partir de 29 dias de vida até 12 anos, mas dependendo do caso já chegou a cuidar de crianças de até 14 anos. E para um público tão especial, garantir a saúde física acaba não sendo a única necessidade, por isso o Hospital da Criança conta com uma educadora física, responsável pelas ações lúdicas com as crianças. E também de professoras, resultado de uma parceria com a Secretaria de Educação, que ajudam os jovens a perder o mínimo possível de carga horária escolar.

A brinquedoteca é de longe o espaço mais querido pelas crianças. “Tem algumas que se a gente deixar passam o dia todo aqui”, conta sorrindo Elian Rodrigues, educadora física e coordenadora pedagógica do Hospital da Criança. Entre as atividades desenvolvidas estão brincadeiras, pintura, colagem e eventos especiais em todas as datas comemorativas.

Embora o governo tenha criado a brinquedoteca, ela sobrevive de doações, principalmente de igrejas e estudantes universitários. No Natal também há uma ação para o recolhimento de brinquedos novos que serão entregues entre os pacientes. “A brinquedoteca ajuda na recuperação da criança. Por mais que ela esteja no hospital, o desenvolvimento dela continua a pleno vapor. Eles também se tornam mais sociáveis e muitos pais, que eram até pouco presentes com os filhos, param para brincar com ele”, explica Elian.

A batalha diária

Mariane é uma das crianças que fazem tratamento no hospital. A brinquedoteca é o local preferido dela (Foto: Angela Peres/Secom)

Mariane é uma das crianças que fazem tratamento no hospital. A brinquedoteca é o local preferido dela (Foto: Angela Peres/Secom)

Entre as crianças internadas no hospital encontramos a pequena Mariane, de 4 anos. A linda menina adora passar o dia na brinquedoteca, mas sempre acompanhada da tia, Luciana dos Anjos, que carrega seu dreno preso ao peito pra lá e pra cá. Luciana não reclama. É melhor acompanhar a sobrinha para todos os lados do que ficar com ela presa à cama, vítima de uma forte pneumonia, que por muito tempo deixou toda a família preocupada.

{xtypo_quote_left}Não tenho do que reclamar, aqui no hospital não faltou nada pra gente

Luciana dos Anjos{/xtypo_quote_left}

Mariane foi diagnosticada com pneumonia ainda na UPA do Segundo Distrito. Em 24 horas ela foi encaminhada para o Huerb, onde começou o tratamento, e depois conseguiu vaga no Hospital da Criança. “Aqui o atendimento foi realmente muito bom. Ela precisou fazer uma cirurgia, sentaram e explicaram direitinho pra gente. Estamos aqui há 36 dias já e agora com ela bem assim estamos só esperando tirar o dreno pra voltar pra casa. Não tenho do que reclamar, aqui no hospital não faltou nada pra gente”, relata Luciana.

E dividindo o mesmo espaço, mas vivendo uma situação completamente diferente, também encontramos Cleudilene, de 13 anos, acompanhada da mãe, Marilene da Silva. Com o chamado “coração crescido”, o caso de Cleudilene é um pouco mais delicado. Vindas de Tarauacá, ainda lá, Marilene percebeu que a filha ficava cansada fácil demais e descobriram a doença ainda no Hospital das Clínicas.

Na primeira vez no Hospital da Criança, Cleudilene ficou um mês. Agora, na segunda, já está internada há dois meses. Ela aguarda a liberação do TFD para tomar um outro passo no tratamento, sendo necessário uma cirurgia cardíaca para correção de uma válvula. Marilene também conta que a filha se diverte no hospital, fica sempre bastante entretida e não reclama do atendimento, mas mesmo tímida acaba confessando. “Queremos muito voltar pra casa. Saudade das minhas outras filhas”.

Cleudilene é uma das que se beneficia com as aulas que existem dentro do próprio Hospital da Criança. Rosa Neri é professora da rede pública de ensino há 15 anos e presta o atendimento educacional de maneira flexível. “É um sistema muito rotativo. Os quadros clínicos delas também complicam um pouco o trabalho, por isso o conteúdo que passamos tem que ser direto, com começo, meio e fim, nunca dividido demais. É como se fosse um reforço na verdade, para que não saia com deficiência de aprendizagem”, explica Rosa, que também encaminha um relatório para a escola da criança depois que ela sai do hospital dizendo o que ela aprendeu.

E a batalha em casa

Como uma unidade de tratamento para média e alta complexidade, algumas vezes, o Hospital da Criança se torna a verdadeira casa de muitos meninos e meninas com problemas clínicos que as obrigam a viver no hospital por muito tempo. A verdade é que algumas dessas crianças nunca voltaram para casa, por estarem além da própria medicina, ainda existem aquelas que lutam todos os dias pra sobreviver, mas também há  os casos de superação, aquelas que conseguem, mesmo depois de muito tempo, voltar para casa. É o caso da jovem Andressa, de apenas 11 anos, onde cinco foram dentro do hospital.

Depois de ter um quarto montado no hospital, família comemora a oportunidade de estar em casa (Foto: Angela Peres/Secom)

Depois de ter um quarto montado no hospital, família comemora a oportunidade de estar em casa (Foto: Angela Peres/Secom)

A mãe de Andressa, Jocielene Nazaré Dias, conta que ao nascer a filha, os médicos disseram que ela era saudável. Mas ainda recém-nascida ela passou a ter muitas convulsões e depois de uma especialmente mais forte, aos oito dias de vida, sua mãe a levou as pressas para o hospital, onde entrou direto na UTI da maternidade, sendo diagnosticada com uma paralisia cerebral.

{xtypo_quote_left}Estar em hospital não é bom, mas o atendimento, os médicos, as assistentes sociais, tudo fizeram bem pra gente

Jocielene Nazaré Dias{/xtypo_quote_left}

“Nós ficamos três meses no Hospital das Clínicas e depois de liberadas foram inúmeros vai e volta”, conta a mãe. Até que veio a pneumonia e a situação se tornou ainda mais grave. Foram para Manaus e Andressa passou três meses internada. Mas não poderia viver sem o acompanhamento médico, e ao voltar para Rio Branco, se instalou imediatamente no Hospital da Criança por um período que chegaria a cinco anos.

“Fizeram um quartinho lá só pra ela, com ar condicionado e tudo. Estar em hospital não é bom, mas o atendimento, os médicos, as assistentes sociais, tudo fizeram bem pra gente. Ela sempre foi bem atendida. Fizeram até um aniversário surpresa pra mim uma vez. Eu morri de vergonha”. Até que um dia, após muita luta junto ao governo e a justiça, a pequena Andressa teve uma conquista única, os aparelhos que garantiriam que ela poderia voltar para casa finalmente.

“Fizeram até um bolo na hora de se despedir da gente”, se emociona Jocilene ao lembrar. Morando em uma casa adquirida através do Programa de Subsídio Habitacional (PSH) com as três filhas, Jocilene estampa um sorriso no rosto por ter sua casa própria e Andressa dentro dela. Hoje, a equipe do Samu visita Andressa regularmente para saber como ela está. Um fisioterapeuta também a visita duas vezes por semana. Uma luta pela sobrevivência diária, mas que hoje vive momentos bem mais felizes.

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