Por vezes as imagens valem mais que mil palavras, que infindos relatórios. Quando uma floresta está em jogo, então, mil imagens valem mais ainda. Os oito mil quilômetros quadrados do Parque Nacional da Serra do Divisor, no Acre, e sua vida (flora e fauna), extremamente ativa e pulsante, permitem a explosão de energia a cada foto, como poderemos acompanhar no trabalho de Sérgio Vale ao longo dessa viagem.
O caminho começa com a chegada em Cruzeiro do Sul, “capital” do Vale do Juruá, no oeste do estado. Segue para o município de Mâncio Lima onde de manhã cedinho os visitantes já arrumam a bagagem nos barcos atracados na margem do Rio Japiim, de água escura e gelada – dizem que já é o início de tanta beleza, que continua até a nascente do Rio Môa.
A Serra não é só uma floresta para ser vista, ela proporciona trabalho e um potencial turístico sustentável. Em Mâncio Lima existe uma associação de barqueiros, quase cem trabalhadores já estão organizados ali, aptos pra levar aqueles que buscam navegar até o alto da serra.
Após horas de viagem chega-se ao Môa, passando pelo Seringal Belo Monte, Assentamento São Salvador. Enfim a metade da viagem é marcada no destacamento São Salvador, do 61º Batalhão de Infantaria e Selva, mostrando que a natureza também é vigiada contra os males da cidade grande (madeireiros, traficantes e caçadores).
Ao pé da Serra
Depois de passar pela Aldeia República, dos índios Nukini, entramos no Parque Nacional, avistando as primeiras moradias da Comunidade Pé da Serra. Cerca de 70 pessoas fizeram a escolha de viver ali, isolados do meio urbano, mas inseridos em uma outra dinâmica, a da paz e parceria com o ambiente natural.
Ragemiro Oliveira Guimarães, o Miro, mostra bem como é esse “negócio” de viver na floresta. Além de guia para uma empresa de turismo acreana, ele é explorador da Serra (sempre descobre novas cachoeiras), oferece serviços de pousada e, junto com a esposa, serve as refeições para os viajantes.
Miro ainda é contador de histórias e um ótimo barqueiro, conhece a Serra como ninguém. E assim ele apresenta uma das primeiras atrações, o Mirante do Morro. De um lado o Rio Môa, um barquinho, e, olhando bem, a casa do guia. De outro lado, um vasto verde, uma floresta que cobre morros, já no Peru.
Lá de cima dá para se ter noção da vastidão verde que é essa mata. Além de se estender pelo país vizinho, o Parque Nacional ocupa o território de cinco municípios acreanos: Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter e Rodrigues Alves.
São 40 minutos pra subir o Mirante, alguns a menos pra descer e de lá seguir para os outros atrativos, que quase tornam a Unidade de Conservação em um parque de diversões sustentável. São corredeiras, cachoeiras e muito bicho, animal pra todo lado, além de água pra mergulhar e esquecer que o mundo existe.
Águas que correm e caem
Continuando a subida do Rio Môa, na margem direita encontramos uma queda d`água que proporciona ventos gelados e um conjunto de pedras, água e verde que renovam as forças, a Cachoeira do Ar Condicionado.
Banho tomado, foto tirada, hora de seguir. Na margem esquerda do rio tem um escavação que virou uma pequena cachoeira, o Buraco da Central. Obra de antigas pesquisas da Petrobrás na região – hoje os estudos de exploração de recursos naturais estão fora das unidades de conservação e terras indígenas.
Segundo João Bosco Nunes, bacharel em turismo e empresário que opera na Serra do Divisor, a água que sobe da Central é sulfurosa e tem poderes medicinais. “De certeza mesmo, é que você não consegue submergir no Buraco, é muita força que joga a água pra cima”, afirma Nunes.
Voltando à margem direita, o incansável desbravador Miro encontrou em 2010 duas novas cachoeiras, a do Amor e a Estátua. Tem também a Pirapora, pequena, mas muito bonita, cai direto no Môa.
Ainda há mais pela frente, subindo o rio tem a aventura da Cachoeira do Pedernal, um conjunto de corredeiras com 100 metros de comprimento, mais intenso no verão, quando a estiagem baixa as águas do rio.
No Pedernal só passa quem tem pulso firme, e Miro, agora barqueiro, mostra que tem; ele que faz o transporte das canoas. Esse vale cavado pelo Rio Môa é ladeado por paredões de quase dez metros de altura cobertos por vegetação. Fica aos pés da Serra da Jaquirana.
A densa mata ainda esconde uma beleza sem igual, são 18 quilômetros e umas boas horas caminhando. Passando pelo Igarapé Anil, onde só se vai com aquelas botas sete léguas, os pés passam do lado de peixinhos enfileirados, organização sem igual.
Máquinas na mão, e a Cachoeira Formosa está ali, posando para foto. Beleza é pouco para ela. Agora é hora de jogar o corpo nas águas quase divinas, afinal são mais 18 quilômetros, a pé, para voltar à realidade.
Turismo e gestão
Em março de 2010, o presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) , Rômulo Mello, anunciou o ingresso do Parque Nacional da Serra do Divisor no Programa “Parques do Brasil”. Ação que permitiria a valorização do turismo ecológico na Área Norte do Parque e a regularização fundiária de propriedades estratégicas para a gestão da Unidade de Conservação UC.
O ICMBio é o órgão responsável pela gestão da UC, para visitar ou pesquisar a região é preciso requerer autorização na unidade do Instituto em Cruzeiro do Sul.
Atualmente uma empresa acreana oferta pacotes pra região, especialmente a Serra. São quase 12 grupos por ano que buscam os encantos da área.
Há ainda os aventureiros e pesquisadores, todo mês surge ao menos um desses autorizado a entrar no Parque.
E há aqueles que querem alcançar o Marco 76, o extremo oeste do Brasil, numa expedição que o exército precisa acompanhar, pois há risco de encontro com invasores madeireiros, de guerrilha ou narcotráfico peruano. Em abril deste ano, oito madeireiros peruanos foram detidos na área sul do parque, na fronteira com o país vizinho.
Em 2011 uma nova espécie de borboleta foi descoberta na região, a Symmachia divisora. Um estudo realizado pelos pesquisadores Diego Rodrigo Dolibaina, Luis Anderson Ribeiro Leite, Fernando Maia Silva Dias, Olaf Hermann Hendrik Mielke e Mirna Martins Casagrande, da Universidade Federal do Paraná.
Um Brasil inteiro, novo e cheio de energia, está ali para ser estudado, pesquisado e, principalmente, apreciado.