“Certa vez, uma boneca chamada Emília resolveu chamar o amigo Pedrinho para passear no País da Gramática. Só que perguntar a Pedrinho se queria meter-se em nova aventura era o mesmo que perguntar a macaco se quer banana. Pedrinho aprovou a ideia com palmas e pinotes de alegria e saiu correndo para convidar Narizinho e o Visconde de Sabugosa”. Assim começa mais uma das aventuras de Emília no País da Gramática, obra de um dos precursores da literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato.
As incursões literárias são comemoradas, neste mês de abril, em duas datas especiais: o Dia Nacional do Livro Infantil, 18, que celebra o nascimento de Monteiro Lobato, e o Dia Mundial do Livro, 23, que rememora a morte de William Shakespeare, Miguel de Cervantes, e Inca Garcilaso de la Vega, que morreram coincidentemente no mesmo dia, embora em anos diferentes.
“São datas importantes para promover a leitura, a escrita e a valorização dos livros em todo o mundo; […] Estamos diante do desafio de leitura e, para enfrentar esse desafio, existem muitas iniciativas promovidas por escolas, bibliotecas, editoras e instituições culturais em todo o Brasil. Todos com o objetivo de incentivar as pessoas a lerem mais, a descobrirem novos autores e a ampliarem seus horizontes literários. São ótimas oportunidades para estimular o hábito da leitura e promover a cultura literária no país. Nós temos, em espaços sob gestão da Fundação de Cultura Elias Mansour [FEM], preocupações e ações que possam dinamizar a cultura literária no Acre”, enfatizou o presidente da FEM em exercício, Altino Machado.
Os marcos no calendário anual promovem a possibilidade de a literatura cativar a atenção das crianças, além de também ensinar os adultos, como explica Tânia Macoli, servidora da Biblioteca Pública Estadual Adonay Barbosa dos Santos.
“A literatura é um espelho da vida humana. Ela faz a gente pensar sobre o ser humano, o nosso fazer no mundo. Monteiro Lobato foi o primeiro escritor brasileiro a trazer literatura para criança com a cara do Brasil, e é muito importante o legado que ele deixou”, avalia a servidora.
Como forma de celebrar as datas, a Biblioteca Pública, que é gerida pela Fundação de Cultura Elias Mansour, preparou uma programação especial com encontros com autores, contação de histórias e diversas atrações voltadas para o público, especialmente o infantil, no Espaço Criança. Tudo em um ambiente capaz de nutrir a imaginação das crianças, influenciando positivamente sua formação ao longo da vida, como salienta Tânia.
“A data é muito importante para o Espaço Criança, pensado para incentivar o gosto pela leitura na criança desde pequenininha, e tem uma relevância ímpar, porque possibilita esse convívio com a leitura literária, que ela vai levar para toda a vida. Então este espaço é fundamental, como outros que também incentivam esse contato e valorizam o nosso, da terra, como a Kelen Gleysse [Maia], escritora acreana que foi instigada a escrever por meio da leitura”, relata a servidora.
Programação especial
Como parte da celebração, a biblioteca promoveu na quinta-feira, 18, um animado bate-papo das crianças com a escritora, autora de dois livros infanto-juvenis, para discutir o poder transformador da literatura. Mãe de duas meninas, Kelen conta que investiu muito em material de arte para as filhas e que apoia a ideia de que outros pais incentivem a leitura entre as crianças.
“Eu acho que os pais têm que ter esse cuidado, porque os filhos são nossa maior herança, são as pessoas mais importantes da nossa vida. Sou a favor de que eles tenham acesso a outras gerações que escreveram as suas histórias e memórias, às ficções que fazem a gente pensar sobre a realidade e que fazem com que desenvolvam o senso crítico. O livro tem esse papel de tocar o coração, de fazer com que olhemos para nós mesmos”, diz a autora.
Com ampla programação, a biblioteca também recebeu na sexta-feira, 19, turmas de escola para conhecer o Espaço Criança, pela manhã e à tarde, além de exibir o filme A História sem Fim em sua filmoteca.
Poder transformador da leitura
Autora dos livros infanto-juvenis Aegypti: a Mosquita da Floresta e A Menina que Cansou de Esperar, Kelen conta em que momento da vida passou a ter um olhar diferenciado para a literatura para menores: “O meu laboratório foi o Centro de Multimeios, no Município, porque eu estava fazendo uma pesquisa de campo e tinha que me ausentar da sala de aula, então eu fui para lá. A coordenadora, na época, era a professora Marília Bonfim, que também é uma artista no teatro e arte-educadora. Quando eu fui para lá, passei a fazer uso de uma leitura que eu não tinha”, lembra.
Durante o processo, a escritora imergiu no mundo lúdico da leitura, transformando o olhar para a literatura infantil: “Na minha família nós não tínhamos recursos de sobra para comprar livros, meus pais não tinham isso. Então o contato que eu tinha com os livros era nas bibliotecas das escolas e das minhas professoras, que nos emprestavam. Só que no Centro de Multimeios foi como se eu tivesse entrado numa imersão no mundo lúdico da leitura. Foi fantástico para mim”, detalha.
A partir de então, Kelen passou a se inspirar no trabalho dos novos colegas e quis proporcionar experiências semelhantes para sua primeira filha, Laiza: “Eu acho que o primeiro efeito transformador foi em mim, ao ver os profissionais fazendo aquele trabalho. O meu lado mãe foi atingido e eu queria que minha filha tivesse essa experiência de ter os olhos brilhantes com todo aquele mundo da fantasia, do lúdico e da leitura que eu estava tendo”.
As duas filhas, então, tornaram-se parte fundamental no seu processo de escrita. Em A Menina que Cansou de Esperar, Kelen conta que uma vez Laiza cogitou ir para casa sozinha por causa da demora da família em buscá-la na escola, episódio que inspirou a escritora. Tempos depois, foi a vez de a mais nova, Giovanna, enriquecer com ilustrações um de seus livros mais recentes, Sentenças, em que retrata, em versos, a relação humana com a natureza.
Além dessas obras, a autora também publicou “Nas fronteiras da terra prometida: trajetórias de trabalhadores rurais do Alto Acre”, resultado da sua dissertação de mestrado; e a coletânea de textos premiados Reminiscências, organizado pela escritora e o poeta Alessandro Gondim.
Livros: recursos valiosos da sociedade
Kelen Gleysse conta que, com o avanço das tecnologias digitais, as informações passaram a ser consumidas em ritmo acelerado e uma de suas preocupações é a diminuição do tempo de assimilação desses dados e o potencial de fazer refletir do livro.
“Eu sou de uma época em que não existia o celular. Nós esperávamos meses para receber a resposta de uma carta que a gente enviava pelo correio e a gente vivenciava toda aquela espera com ansiedade e alegria quando a carta chegava. E de repente, nos anos 90, a gente teve acesso ao celular, ao computador e à internet e, desde então, o nosso tempo de assimilação das realidades tem sido cada vez menor. Não temos tempo de reflexão, parece que é tudo muito mecânico, que você está funcionando no automático. E eu acho que o livro, a leitura, faz a gente sair dessa coisa mecânica. O livro nos dá esse tempo de reflexão. Folhear um livro, pegar o livro na mão, degustar cada palavra que está ali, o livro nos dá esse tempo”, analisa.
Leitura em família: um tesouro inestimável
A servidora pública Juliana Leon é mãe de três filhos – Henrique, Ana Letícia e Murilo. Ela explica que sempre achou importante o contato das crianças com os livros e que percebeu um forte interesse deles na literatura desde cedo. “Sempre busco ler com eles na hora de dormir. Depois eu comecei a trazer eles ao Espaço Criança, aqui na biblioteca; eles gostam muito e estão cada vez mais interessados na leitura”, narra com orgulho.
Aos 7 anos, Ana Letícia está em processo de alfabetização e já leu seu primeiro livro sozinha. O mais velho, Murilo, de 14 anos, também tem seguido o caminho da leitura, enquanto Henrique, com apenas 3 anos, demonstra grande interesse em ouvir histórias. “A professora do Henrique me disse que ele gosta muito de ouvir histórias. Aí eu comecei a incentivar e assinei programas de receber o livro em casa também. Todo mês chega um livro novo e aqui na biblioteca a gente pega livro toda semana. A Letícia está no processo de aprendizado e o Henrique ainda não lê sozinho, mas se você conta a história uma vez, depois ele mesmo reconta a história”, narra.
Em meio às leituras e conversas, Henrique viu o livro Aegypti: a Mosquita da Floresta, de Kelen Gleysse, e reconheceu a história que já havia visto entre os livros da creche que frequenta. Quando perguntado sobre o gosto pela leitura, o pequeno respondeu cauteloso e bem perto da mamãe que sim, gosta de ouvir, e também de se aventurar e viajar pelas novas histórias. Como Pedrinho, quando foi convidado pela Emília para passear no País da Gramática.