Por Renato Menezes*
O dia era 17 de março. A Secretaria de Saúde do Acre (Sesacre) confirmava os três primeiros casos de Covid-19 no estado. Após a coletiva de imprensa, algo curioso aconteceu: os supermercados da capital tinham o mesmo “problema” – entre aspas mesmo pois depende muito do ponto de vista –: todos estavam lotados. Lotados mesmo, sem exagero.
Nunca se viram prateleiras esvaziarem tão rapidamente. Álcool em gel, dado como item primordial de higiene e de combate ao vírus, evaporavam com o piscar de olhos. Era uma corrida frenética por estocar o máximo de coisas possíveis dentro de casa. Afinal, qual futuro nos esperaria dali para frente? Quanto tempo duraria o confinamento? O vírus iria evoluir e dizimar a população? Seria uma quarentena de 40 dias? Ninguém sabia de nada. Ou melhor, de quase nada. A única coisa que importava era ter o que comer e ter como se higienizar durante a maior crise sanitária do século, até o momento.
No entanto, em menos de um ano, o que parecia distante se tornou cada vez mais familiar nas manchetes de jornais. Sim, estou falando da possibilidade de fabricação de uma vacina que combatesse o vírus. As mortes aumentando, os casos também, os leitos ocupados em capacidade máxima, muito desespero. Mas para nossa alegria, logo começaram a produção e os testes nas pessoas para verificar se ela realmente funciona. Isso parece surreal.
A gripe espanhola, por exemplo, que matou de 20 a 40 milhões de pessoas em todo o mundo durante o final da década de 1910 e a década de 1920, só veio a ter vacina na década de 1940. Agora imagina só: a Organização Mundial da Saúde identifica a doença em dezembro de 2019, decreta situação de pandemia em março de 2020 e já no segundo semestre do mesmo ano há estudos que viabilizam a vacina. Quão a ciência evoluiu em um século? Não preciso nem exemplificar muito. Basta vermos as doenças erradicadas e os medicamentos para tratamento de doenças como o câncer e a aids.
Visto isso, quais são as argumentações que sustentam a “ideia” – entre aspas mesmo – de que a vacina é fruto de algo conspiratório e mirabolante? Como dito anteriormente, até alguns meses atrás, as pessoas tinham medo do vírus, saíam de casa para estocar o máximo de álcool em gel que conseguissem comprar e sonhavam com uma solução de imediato.
O que mudou de lá para cá? Qual a necessidade de querer “astigmatizar” uma visão que lutamos para enxergar durante meses? É muito triste ver que a sociedade chegou ao ponto de partidarizar uma vacina que vai salvar vidas, que vai desafogar UTIs, que vai extinguir a possibilidade de intubação e que vai nos ajudar a superar esta crise.
Manaus, por exemplo, vive o pior dos cenários: falta oxigênio nos hospitais. Pessoas estão morrendo por não conseguirem respirar. O ar, um dos quatro elementos básicos, virou raridade. A vida se tornou uma bomba-relógio e o perigo maior é de essas vacinas não chegarem a tempo de salvar vidas. Ser contra a pesquisa que está lutando, dia após dia, para a produção das doses, é ser conivente com a morte de inocentes que apenas querem respirar, sentir o vento no rosto e poder sair dos hospitais sendo aplaudidos por terem vencido a Covid-19.
As perguntas que ficam são: onde foi parar aquele medo do início da pandemia? Por que quando finalmente a solução surge, as pessoas insistem em retroceder? Nunca imaginei que viveríamos algo minimamente parecido com a Revolta da Vacina que ocorreu em meados de 1904, justamente porque agora nós temos o pleno direito e acesso à informação. Nunca pensei que no século XXI as pessoas ainda retrocederiam tanto, a ponto de não querer tomar uma vacina que serve para combater um vírus que já matou mais de 200 mil brasileiros. A revolta, que deveria ser contra a Covid, está sendo contra seu próprio antídoto.
Enquanto esta discussão ideológica segue sem pudor, pessoas perdem o fôlego dia após dia, com uma morte silenciosa, solitária e dolorosa. Vacinar é pensar além do próprio umbigo. É zelar pela vida dos mais fragilizados e lutar contra a maior pandemia do século. Parodiando a frase de Dom Pedro I: se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo “mim dê, que eu tomo”.
*Renato Menezes é estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac) e estagiário de comunicação na Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp)