Levar saúde às populações que vivem em lugares de difícil acesso é uma das prioridades do Programa Saúde Itinerante. No último sábado, 7, a equipe saiu para mais uma missão: atender a comunidade indígena da Aldeia São Paulino, localizada no Rio Purus, no município de Sena Madureira, e os ribeirinhos que residem naquela localidade.
Na Aldeia São Paulino moram cerca de 90 índios da etnia Jaminawá. O percurso até o local só é possível pelo rio. Faziam parte da equipe 15 pessoas, entre médicos, enfermeiras, assistente social, biomédico, técnico de laboratório e pessoal de apoio.
Foram quatro horas de viagem que, apesar de longa e cansativa, não tirou o ânimo nem o compromisso dos profissionais que levam atendimentos especializados de saúde, mesmo nos lugares mais distantes. Para passar o tempo até chegar à localidade, a equipe se distraía com rodas de conversas, brincadeiras e jogos.
Quando o barco aportou, os moradores já aguardavam próximo aos locais onde as consultas seriam realizadas. Assim como aconteceu há alguns meses na Serra do Divisor, foi a primeira vez que um serviço de saúde com toda aquela estrutura foi oferecido na comunidade. No barranco, à beira do rio, os médicos formaram uma fila indiana para subir com mais de 30 caixas contendo 100 tipos de medicamentos, aparelhos de ultrassonografia e de eletrocardiograma, além de material esterilizado para pequenas cirurgias e a bagagem da equipe, que, já acostumada ao ritmo do Saúde Itinerante, rapidamente organizou tudo.
As consultas de pediatria, clínica geral, dermatologia, psiquiatria e geriatria foram realizadas na Escola Indígena. Já o laboratório para os testes rápidos de hepatites B e C, as consultas de ginecologia, o atendimento de assistência social e a coleta do PCCU, foram improvisados no posto de saúde. A Secretária Especial de Saúde Indígena (Sesai) – Polo Base de Sena Madureira – realizou atendimento de odontologia, atualização do calendário vacinal das crianças e vacina contra a hepatite B.
“Esse trabalho é muito importante para a comunidade indígena. A parceria com o Programa Saúde Itinerante permite trazermos atendimento em várias especialidades. Eles vêm com uma superestrutura, com capacidade de fazer até exames e isso é muito bom, pois apesar de fazermos as ações preventivas de saúde do programa do Ministério da Saúde, não temos uma logística para prestamos esses serviços in loco”, diz Valmy Darc, apoio administrativo e logístico da Sesai do Polo Base de Sena Madureira.
Durante toda a tarde foi grande a movimentação de pessoas. Umas curiosas para conhecer os que acabaram de chegar outras esperando pelo atendimento. As crianças entusiasmadas sorriam para mostrar alegria de ver tanta gente chegando. Aos poucos todos se acostumaram com a novidade e as coisas foram tomando rumo.
“Nosso trabalho é levar serviços de saúde até as comunidades mais distantes e também facilitar o acesso do pacientes na rede pública, buscando resolutividade para os problemas de saúde em nosso estado. Não importam as dificuldades que tenhamos que enfrentar para chegar até essas populações. Garantir saúde para todos é uma das prioridades do governador Tião Viana”, explicou a coordenadora do Programa Estadual de Saúde Itinerante, Celene Maia.
Indígenas e ribeirinhos disseram estar satisfeitos em receber os serviços de saúde tão próximo de suas moradias. A dona de casa Jocineide Carmem da Silva conta que ela e os quatros filhos foram atendidos de forma eficiente, pois sentia fortes dores no ouvido e já não sabia mais o que fazer. “Foi só o médico olhar meu ouvido e já disse o que eu tinha. De repente ele deu uma lavagem no meu ouvido e eu fiquei boazinha. Esses médicos foram enviados por Deus”, disse Jocineide.
“Para a gente ir até a cidade é muito difícil e às vezes quando vamos não temos um atendimento como esse. Aqui a gente se consulta, faz exames e ainda sai com os remédios na mão”, conclui a dona de casa.
Resultados
Na ação, foram realizadas 150 consultas, 76 testes rápidos e sorologia para hepatite B e C, 93 atendimentos de terapia individual e em grupo, totalizando 319 procedimentos de saúde.
Foram coletadas 55 amostras de sorologia para teste rápido de hepatite B e C e 50% das amostras foram positivas. Novas amostras foram coletadas para confirmação do diagnóstico. Caso seja confirmado à doença a assistente social organiza todo o processo para que o paciente seja inserido no Serviço de Assistência Especializada (SAE).
“Estamos satisfeitos com o trabalho realizado aqui. Nosso objetivo era atender 100% da população indígena da aldeia, e conseguimos fazer isso. Mais uma missão cumprida. voltamos pra casas felizes em saber que colaboramos de alguma maneira, para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, assegura Celene.
Na aldeia o Programa Saúde Itinerante recebe a visita de hepatologistas estrangeiros
No domingo pela manhã, a equipe conduzida pelo médico infectologista Raymundo Paraná – da Universidade Federal da Bahia – chegou à Aldeia São Paulino para conhecer o trabalho realizado pelo Programa Saúde Itinerante. Saber quais as dificuldades e os desafios enfrentados para garantir saúde com qualidade a quem vive em lugares aonde o acesso é difícil.
Na equipe três hepatologistas pesquisadores e professores da França e Alemanha que tinham a curiosidade de estudar como vivem as comunidades isoladas e como são cuidados os pacientes com diagnóstico positivo para hepatite B e Delta residentes nessas localidades, uma vez que o tratamento para esta doença é muito difícil, devido ao medicamento ser forte e apresentar efeitos colaterais, sendo importante um acompanhamento médico.
O infectologista Thor Dantas recepcionou o grupo e os acompanhou até a aldeia. “A presença do doutor Paraná e desses três especialistas é muito importante para o desenvolvimento dos serviços de saúde no Acre, principalmente na área de hepatites B e Delta. Eles são três dos maiores especialistas do mundo na área de hepatites. São as pessoas que mais escreveram sobre o assunto. Já o doutor Paraná é o melhor do Brasil também na área de hepatites e é um grande aliado do Acre no combate a essa doença. Essa visita, com certeza, é um motivo de orgulho para nós”, avalia Dantas.
“Eles viram como é difícil o trabalho do Saúde Itinerante. Viram a dificuldade de acesso. O Acre é um dos estados que tem maior endemicidade de hepatite e aqui no município de Sena Madureira tem um índice considerável de hepatite B e Delta. Eles são influentes e irão ajudar o governo do Acre a trazer mais recursos para ampliar o atendimento e combater as hepatites”, finaliza o médico.
O contato com outra realidade
O francês Tarik Asselah – do Hospital Beaujon, em Clichy, na França -, ficou encantado com as ações do Saúde Itinerante. “Achei excelente o trabalho desses profissionais. Já tive a oportunidade de conhecer um trabalho semelhante a esse no Norte da África, no deserto do Saara. Senti-me muito honrado em ter sido convidado para conhecer o Programa”, diz Tarik
Para o hepatologista alemão Michael Manns, é impressionante a realidade da Amazônia e suas distâncias. “Fiquei entusiasmado com a forma que o Programa faz chegar a saúde nessas regiões, e como é fazer diagnóstico com recursos tão limitados, no meio da floresta, usando apenas um gerador de energia e um aparelho pequeno de ultrasom. Reconheço que não é uma situação fácil, mas apesar das dificuldades o trabalho está sendo feito. Parabenizo a todos do Saúde itinerante pela coragem em realizar esse trabalho mesmo com tantas dificuldades”, declara Michael.
O médico infectologista da Bahia, Raymundo Paraná faz coro aos colegas quanto ao trabalho do Saúde Itinerante com a propriedade de quem conhece o estado há cerca de 15 anos. “Esse é um dos programas que eu considero modelo para o país e ele não é só aplicável na Amazônia, a gente acha que populações isoladas e carentes só têm por aqui, mas lá na nossa região do semi-árido tivemos um trabalho semelhante durante algum tempo. Fico cada vez mais contente quando vejo o crescimento do Programa”, comenta.
“De 1999 pra cá, quando vim ajudar na campanha de vacinação contra hepatite B, eu vi um cenário que estava em franca modificação do paupérrimo, ou do quase nada, para uma vontade política de muda a realidade do estado, no que diz respeito à saúde pública. O Saúde Itinerante é apenas uma das ilustrações sobre o esforço que se fez para trazer cidadania a esta população e temos em Rio Branco e Cruzeiro do Sul hospitais que muitas cidades do sul gostariam de ter, tanto pela qualidade de atendimento dos profissionais, como também pelos equipamentos utilizados”, garante o infectologista.
De acordo com Paraná, o Acre vem recebendo visitas de grandes especialistas do mundo todo, e isso têm garantido mais recurso para o estado. “Sempre estou trazendo, junto com os colegas locais, especialistas de fora do país, primeiro para mostrar o que está sendo feito no Brasil, nas regiões mais isoladas para garantir saúde, segundo porque as hepatites virais nesse estado é algo só comparado a algumas regiões da Ásia. Essa é sem dúvida a principal doença dessa região. É preciso mostrar isso ao mundo para que abram as portas para treinamento dos profissionais do Acre em centros mais desenvolvidos, e que, além disso, tragam recursos para financiamento na área de pesquisa”, acrescenta.
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